Por Cristiano Alves
Falsificadores de história e de matemática
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial houve um enorme esforço para transformar em vilões os heróicos soldados do Exército Vermelho, pagando com o seu sangue, o povo soviético perdeu mais de 27 milhões de seus filhos, a pior perda da história das guerras. Em sua luta, os comunistas libertaram não apenas o seu próprio país, a União Soviética, como diversos Estados do Leste Europeu antes subjugados pelo III Reich nazista. Nos anos 40 a União Soviética, apresentado por tantos anos como o "Grande Satã" era reverenciado no mundo inteiro como o Estado "libertador", jornais publicavam a bandeira vermelha com a foice e o martelo no topo do Reichstag e em cinemas do mundo todo, em fins dos anos 40, exibiam o clássico "Padenye Berlina" (A queda de Berlim), que resume toda a Grande Guerra Patriótica numa só película. Pesquisas da época mostravam a URSS como a grande responsável pela vitória. Mas a Guerra Fria estava começando, era preciso fazer algo para mudar essa imagem.
Com a morte do presidente americano Franklin Delano Rosevelt, assumiu o poder um outro presidente voltado para um outro setor do empresariado americano, que não estava interessado em fazer negócios com a União Soviética, na criação de uma "Europa Unida" submissa aos americanos e ao seu capital por meio do Plano Marshall, e deste modo, para tal, era necessário mostrar que o seu rival, a URSS, era "pior que os próprios nazistas" e que por isso era necessário demonizar ao máximo o seu antigo aliado. O cenário perfeito para isso era a cidade de Berlim, na qual estavam estacionadas tropas do Exército Vermelho, e uma dessas formas era mostrar os soldados soviéticos como bárbaros, como saqueadores. Lembremos que muito antes da chegada dos vermelhos, o propagandista nazista Josef Göbbels anunciava nas rádios alemãs que "os russos estão chegando" e irão promover ondas massivas de estupros, o mesmo era feita em relação aos aliados, só que cartazes de propaganda nazistas usavam outro recurso, trazendo desenhos de negros estuprando loiras alemãs.
Os agora rivais da URSS decidiram fazer o mesmo, através de vários recursos, porém a propaganda não deu certo naquela época e acabou indo para os arquivos alemães. Com a chegada do século XXI e a ascenção da ideologia feminista no Ocidente, a heresia da vez era o "assediador", que podia ser desde o sujeito que insistentemente tenta algo com uma mulher a um simples sujeito que dá bom dia para uma moça num transporte público, em países como o Brasil um homem pode ser acusado de assédio e preso simplesmente por pedir um telefone de uma moça que conheceu na rua. Assim, nesse contexto, fotos de época se tornaram um prato cheio para historiadores oportunistas e desonestos como o britânico Anthony Beevor, que se tornaria rapidamente famoso em todo o mundo. Uma das missões desse escritor, a quem nos recusamos chamar de "historiador", era denegrir o papel do Exército Vermelho no início da década de 2000, quando a Rússia tinha no poder, pela primeira vez desde 1985, um presidente interessado em elevar o nível da participação geopolítica da Rússia, Vladimir Vladimirovich Putin. Deste modo, enquanto sucessora da União Soviética e legitimadora da vitória do Exército Vermelho em Berlim, a Rússia precisava ter sua história atacada, caluniada e difamada, se o país já era (e é) tido como "inimigo da liberdade" agora ele era apresentado como "o inimigo das mulheres".
Uma mentira jamais terá efeito se for pequena, ela é preciso ser completamente absurda para, assim, convencer as grandes massas, já dizia Göbbels, fielmente seguidor por A. Beevor, que declarou que o Exército Vermelho "estuprou 2 milhões de alemãs só em Berlim". Como em 1945 restaram 2 milhões de alemãs em Berlim é por si só uma boa pergunta, já que muitas mulheres foram evacuadas ainda em época de guerra, porém, vem a pergunta principal, como ele chegou a esses "2 milhões"?
As declarações absurdas de Beevor não passaram despercebidas por historiadores e jornalistas da Rússia e de outros países da ex-URSS, incluindo aqui historiadoras, que publicaram na imprensa russa inúmeros artigos que refutam esse mito e principalmente questionam de onde vêm os tais "2 milhões"? As principais fonte de Beevor são feministas alemãs (a Alemanha é tida por alguns como a Arábia Saudita do feminismo) que por sua vez têm trabalhos que mencionam como sua fonte primária uma clínica de abortos que registrou na época da guerra... dezenas de pedidos de aborto em razão de supostos estupros (na Alemanha o aborto só era tolerado em caso de estupro). Como dezenas se transformaram em 2 milhões, essa é uma matemática que nenhum anticomunista consegue explicar.
É claro que nenhuma mentira se tornaria conhecida se não fossem dois fatores, a imensa publicidade dada a essa mentira em jornais da grande imprensa como a BBC e o Daily Mail e principalmente... fotos! Sim, o que seria uma mentira sem elas? A "prova material do crime". Nesse artigo trataremos apenas de uma delas.
A "prova do crime"
Inúmeros sites de extrema-direita trazem como a "prova do crime" uma foto na qual um soldado russo puxa uma bicicleta de uma mulher supostamente alemã. Quem vê a foto irá pensar "mas que maldito estuprador", ou "que maldito ladrão", mas são vários os detalhes que chamam a nossa atenção!
Qualquer pessoa minimamente entendida de fotografia sabe que as câmeras dos anos 40 e 50 eram muito inferiores às que temos em nossos dias. Imagine você fotografar o exato momento de uma briga de mulheres, na qual uma puxa o cabelo da outra, as chances da foto sair borrada seriam enormes, agora imagine com uma câmera dos anos 30 ou 40. Todavia, se observarmos a fotografia em questão veremos que ela parece ter sido tirada recentemente, devido à sua alta qualidade. Há versões dessa foto ainda melhores, melhoradas com a tecnologia de computador, incluindo a sua fonte original, que é da Hulton-Deutsch Collection/CORBIS. E aqui temos uma parte do mistério desvendado, a legenda original da foto não diz absolutamente nada sobre "estupro", "assédio" ou "abuso sexual" cometido pelo suposto soldado vermelho, a legenda descreve a foto como sendo um "Desentendimento após um soldado russo comprar uma bicicleta de uma alemã em Berlim. Depois de pagar pela bicicleta, o soldado assume que é um negócio fechado. Todavia, a mulher não parece convencida", a data é de agosto de 1945, isto é, três meses depois da rendição incondicional dos nazistas em Berlim.
Como podemos ver, a fonte original não faz absolutamente nenhuma referência a "estupro" ou qualquer outra ação de conteúdo sexual, porém há outras perguntas pertinentes a essa imagem, suponhamos que ela realmente se trata de um "roubo", afinal, por que não mostrar comunistas como ladrões? Alguém já viu pessoalmente um roubo? Mais do que isso, é um ato de violência contra uma mulher, ato que por si só suscitava inúmeros problemas naquela época, inclusive de militares, todavia repare na atitude dos integrantes da foto, é uma atitude de completa indiferença, inclusive a do militar americano que pode ser visto logo atrás do suposto soldado vermelho, ele parece estar de braços cruzados atrás de suas costas, ou segurando as mãos na cintura, ele assiste tranquilamente à cena, como os demais integrantes da foto, os homens de chapéu, incluindo o que passa, observam a cena como quem está lendo as notícias da manhã num jornal em um café, não há um único que, por sua reação deixe a entender que se trate de uma briga provocada por um homem. A reação normal de um oficial seria ou intervir na briga ou apitar para chamar imediatamente a polícia militar de sua unidade.
Além dos transeuntes da foto, há outro fator marcante, o suposto "soldado russo". O que ele estaria fazendo sozinho e ainda mais bem no meio da rua? Quem seria esse homem, afinal de contas? Por que um combatente estaria caminhando sozinho pelas ruas de Berlim?
No Exército Vermelho, a primeira ordem dada sobre a nova localidade diz respeito à disposição e aquartelamento das tropas, quando se tem mais de 1 milhão de homens em uma nova cidade, além de blindados, armas, aviões e munição, a primeira tarefa é conseguir um quartel para essas tropas onde eles possam não apenas guardar os seus equipamentos, como também descansar e por sua vez vigiar os seus pertences, que poderiam cair em mãos erradas. No Exército Vermelho o soldado raso era proibido de deixar a sua guarnição, será que alguém acha mesmo, que numa cidade na qual a guerra acabou recentemente, é seguro andar sozinho por uma cidade, que o soldado achou que nada lhe aconteceria?!
Surge imediatamente outra pergunta, onde estão as armas deste soldado que encontra-se em território ocupado na condição de combatente ocupante?! Reparemos que ele usa um poncho-barraca (plasch-palatka), deixando a entender que ele não está a passeio, mas a serviço.
Ele queria roubar a população local? Vamos ver o que disciplinava o Direito Militar do Exército Vermelho Operário Camponês em sua Ordem do Chefe da Guarnição e Comandante Militar de regulamento da vida política e econômico-social urbana Nº 1 de Berlim, de 30 abril de 1945 (Приказ Начальника гарнизона и Военного Коменданта Берлина о регулировании политической и социально-экономической жизни города № 1 г. Берлин 30 апреля 1945 г.):
"As unidades do Exército Vermelho e militares em separado, chegados em Berlim, estão obrigados a aquartelar-se somente nos locais indicados pelos comandantes militares dos bairros e unidades. Os militares do Exército Vermelho estão proibidos de realizar individualmente, sem a permissão dos comandantes militares a desalocação e transferência dos moradores, confisco de propriedade, valores e a realização de busca dos moradores da cidade"
Como vemos, ao contrário da ideia de "permissibilidade absoluta", disseminada por Beevor e blogueiros e oportunistas de extrema-direita ou feministas, é um mito, e o Exército Vermelho era conhecido pela sua rígida disciplina, desde o uso dos uniformes até a conduta particular e o decoro do militar vermelho.
Caso interesse a alguém, esse regulamento disciplinar não era mera "formalidade" do Exército Vermelho, os arquivos soviéticos trazem processos movidos pelo promotor militar da 1ª Frente Bielorrussa (uma das unidades que cercou e capturou Berlim), nesses processos são citados o nome, sobrenome dos infratores da lei, responsáveis por "saques e roubos", o resultado é sempre um só, prisão e tribunal militar, no qual o caso poderia acabar em... fuzilamento! É estranho que diante de tantas testemunhas e um fotógrafo o soldado suicida continue disputando a bicicleta. Lembremos que para que a foto tenha saído com a qualidade que vemos hoje, é preciso que o soldado tenha gastado algum tempo disputando a bicicleta de modo que o fotógrafo capturou o momento exato. Mas quem disse que o soldado "é russo"? O que faz ele parecer russo, o fato de usar uniforme?! Façamos uma comparação:
Apesar da grande semelhança com um bibico de um soldado do Exército Vermelho, um olhar atento revela que não se trata de um bibico usado por um soldado vermelho, apesar da semelhança, e não é apenas isso, um blogueiro russo (Sakmagon) identificou irregularidades em sua bombacha e botas de tamanho diferente.
Porém a mais gritante de todas, quem serviu no Exército Brasileiro sabe que há rigorosas exigências relativas ao uso do uniforme, e não era diferente no Exército Vermelho, exceto em situações de guerra e urgência, o regulamento de uniformes era rigorosamente seguido, esse regulamento disciplinava inúmeras minúcias adotadas até hoje nas FFAA russas, por exemplo, um oficial não podia colocar as mãos no bolso (no caso de uma foto por exemplo), deste modo, se um indivíduo tinha as mãos no bolso em uma foto deduzia-se que se tratava de um ator ou de alguém tentando se passar por um oficial vermelho. Uma regra disciplinada por tal regulamento dizia respeito ao uso do poncho-barraca, ele deveria ser usado sobre o ombro esquerdo, de modo que usá-lo sobre o ombro direito, como vemos na foto, caracteriza uso incorreto do uniforme, o que poderia causar advertência dos oficiais e mesmo punição, em caso de constantes repetições.
O regulamento militar do Exército Vermelho e o reencenador histórico do site "Rubej" mostram o uso correto de equipamentos e acessórios:
O que é mais estranho na foto, reparemos novamente nos equipamentos e acessórios de um soldado do Exército Vermelho, ele prevê cartucheira para munição, bolsa para granadas, bolsa para máscara de gás, bornal, cantil e pá de sapa, também vemos um saco de coisas (vesch meschok) e uma panela de campanha. Ressaltemos que o regulamento e a foto exibidas retratam o uniforme Modelo 1936, o soldado usa tiras (portyanki) em volta de sua canela, em vez de uma bota (kirzovye sapagui), que passou a ser a regra a partir de 1942. Claro, também está presente o poncho-barraca. Mas o que usa o personagem da foto?! Somente um poncho-barraca! Ora, se até nos dias de hoje, nos dias de verão, quando a foto foi tirada, dificilmente um militar sai sem o seu cantil, imagine naquela época, ainda mais numa cidade carente de uma série de recursos.
Diante de tantas irregularidades, podemos trabalhar aqui com duas hipóteses: a) trata-se de um peão que juntou partes de uniformes que conseguiu de alguma forma, um mercado de pulgas talvez; b) uma foto montada com um ator, teatralizada, com o intuito de difamar em jornais ocidentais o papel do Exército Vermelho, alguém aí consegue lembrar de fotos publicadas na Reuters e noutras fontes de mídia ocidental durante a Guerra da Ossétia, em 2008, quando um homem foi colocado em diferentes pontos de um escombro e mesmo "ressuscitado" para poder mostrar o quão maus eram os russos?! A Guerra da Síria e outros conflitos são inúmeros exemplos de como "fotos virais" frequentemente são arranjadas por fotógrafos com o fim de mobilizar a opinião pública em torno de uma ideia, afinal, "uma imagem vale mais que mil palavras", especialmente quando o objetivo dessa imagem é enganar e falsificar a história ou os fatos. A grande vantagem de uma mentira sobre a verdade, é que leva algum tempo até que alguém possa verificar aquela mentira
Uma foto montada
Estudamos nesse artigo diversas opções e versões que poderiam explicar a natureza da foto em si, desde sua nomenclatura oficial, que por si só refuta a versão de "estupro" até o que realmente teria acontecido ali, todas as evidências nos levam a crer que se trata de uma foto montada.
O truque está mais que evidente, o fotógrafo pegou um ator e vestiu-o com um uniforme similar ao do Exército Vermelho, de modo a encobrir imperfeições deste falso uniforme, ele virou o bibico do soldado, se modo que não fique visível a nítida ausência da estrelha vermelha, típica do uniforme comunista, além disso, diante da ausência de platinas no ombro do soldado e provavelmente de botões correspondentes, os responsáveis pela cena resolveram encobrir tais deficiências com um poncho-barraca sobre o ombro direito. Agora que toda a cena foi organizada e deficiências encobertas com um poncho-barraca, só faltava armar o barraco!
Como convencer a quem vê a foto de que tudo acontece na Alemanha? Nenhum lugar poderia ser melhor do que os Portões de Brandemburgo (algo evidenciado pelo número de colunas na foto), sim, o cartão postal de Berlim, a alguns metros do Reichstag, o parlamento alemão ocupado com a bandeira vermelha da vitória. Era nesse local que situava-se a divisão das zonas de ocupação soviética, americana e britânica. Agora façamos uma pergunta, o que um soldado soviético faria bem num local às vistas de todo o mundo, sozinho, ao tentar roubar uma alemã (ou comprar sua bicicleta) e ainda sabendo que, em caso de roubo, poderia ser fuzilado?
Ora, já mostramos aqui que o uniforme está em completa dissonância com o regulamento militar do Exército Vermelho, que os participantes da foto não parecem estar convencidos de que se trata de um "furto" ou mesmo uma briga entre um mal pagador e uma vendedora de uma bicicleta, logo a conclusão parece bastante evidente, alguém armou uma cena, com um ator, de modo a caluniar o Exército Vermelho. Essa mesma foto, hoje reproduzida em jornais, livros e principalmente blogs de extrema-direita são frequentemente misturadas a outras cenas trágicas da guerra ou mesmo de filmes, o objetivo é um só: "vejam, os soldados do Exército Vermelho mataram e estupraram pobres alemãs inocentes, o Exército Vermelho era da União Soviética, a União Soviética era comunista, logo isso quer dizer que comunistas defendem mortes, assassinato e estupros, e por isso é preciso proibir o comunismo e perseguir comunistas". O que seria do ódio e da extrema-direita sem os tão benditos "fakes"?
Conclusão
O suposto "assédio de um soldado soviético a uma alemã", assim como a ideia de "mal-entendido na negociação de uma bicicleta" são nitidamente uma FALSIFICAÇÃO RESULTANTE DE MOTIVOS POLÍTICO-IDEOLÓGICOS!
Fonte de consulta
Artigo "Sovyetskiy soldato otbirayet velotsiped ili uymites s etoy "foto""https://cont.ws/@passportu6/564066
Fonte de consulta
Artigo "Sovyetskiy soldato otbirayet velotsiped ili uymites s etoy "foto""https://cont.ws/@passportu6/564066