sexta-feira, agosto 31, 2012

REFLEXÃO

Por Twylla Ferraz

Racismo, preconceito e discriminação são situações distintas.
Você, branco, por ouvir RAP, dançar Samba Rock e usar dred NÃO é mais preto que o preto que ouve rock, não dança e alisa o cabelo.
Não é pelo fato de andar de calça bag e camisa do Corinthians, que a sua abordagem policial vai ser igual a de um preto, mesmo que esse esteja de terno voltando da universidade.
Não, você não deixa de ser racista ao me chamar de macaco e cabelo duro SÓ de "brincadeira".
Ter uma empregada é preta também não te faz menos racista.
Ter um namorado/marido/peguete/amigo preto também não te faz menos racista.
Pretos não são os mais racistas.

VOCÊ É RACISTA E NÃO SABE!

domingo, agosto 26, 2012

BRASIL: Estagiária negra é forçada a alisar o cabelo para preservar "boa aparência"

De São Paulo, da Radioagência NP, Jorge Américo, com Geledés
Publicado em http://www.pragmatismopolitico.com.br/2011/12/estagiaria-negra-e-forcada-alisar.html

‘O padrão daqui é cabelo liso’, disse a patroa.
A estagiária Ester Elisa da Silva Cesário acusa seus superiores de perseguição e racismo. Conforme Boletim de Ocorrência registrado no dia 24 de novembro, na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) de São Paulo, ela teria sido forçada a alisar o cabelo para manter a “boa aparência”. A diretora do Colégio Internacional Anhembi Morumbi ainda teria prometido comprar camisas mais compridas para que a funcionária escondesse os quadris.
Ester conta que foi contratada no dia 1º de novembro de 2011, para atuar no setor de marketing e monitorar visitas de pais interessados em matricular seus filhos no colégio, localizado no bairro do Brooklin, na cidade de São Paulo. A estagiária afirma ter sido convocada para uma conversa na sala da diretora, identificada como professora Dea de Oliveira. Nos dias anteriores, sempre alguém mandava recado para que prendesse o cabelo e evitasse circular pelos corredores.
“Ela disse: ‘como você pode representar o colégio com esse cabelo crespo? O padrão daqui é cabelo liso’. Então, ela começou a falar que o cabelo dela era ruim, igual o meu, que era armado, igual o meu, e ela teve que alisar para manter o padrão da escola.”
Além das advertências, Ester afirma ter sofrido ameaças depois de revelar o conteúdo da conversa aos demais funcionários do colégio. Eles teriam demonstrado solidariedade ao perceber que a estagiaria estava em prantos no banheiro.
“Depois disso, eu me vesti para ir embora e, quando estava saindo, ela me parou na porta e disse: ‘cuidado com o que você fala por aí porque eu tenho vinte anos aqui no colégio e você está começando agora. A vida é muito difícil, você ainda vai ouvir muitas coisas ruins e vai ter que aguentar’.”

Colégio se defende
Após contato da reportagem, um funcionário indicado pela Direção do Anhembi Morumbi informou que a instituição não recebeu nenhuma notificação sobre o registro do Boletim de Ocorrência. Ele negou a existência de preconceito e se limitou a dizer que “o colégio zela pela sua imagem e, ao pregar a ‘boa aparência’, se refere ao uso de uniformes e cabelo preso”.
A advogada trabalhista Carmen Dora de Freitas Ferreira, que ministra cursos no Geledés – Instituto da Mulher Negra – assegura que a expressão “boa aparência” é usada frequentemente para disfarçar preconceitos.
“Não está escrito isso, mas quando eles dizem ‘boa aparência’, automaticamente estão excluindo negros, afrodescendentes e indígenas. O padrão é mulher loira, alta, magra, olhos claros. É isso que querem dizer com ‘boa aparência’. E excluir do mercado de trabalho por esse requisito é muito doloroso, afronta a Lei, afronta a Constituição e afronta os direitos humanos.”
Métodos conhecidos
De acordo com o depoimento da estagiária, as ofensas se deram em um local reservado. A advogada explica que essa prática é comum no ambiente de trabalho, além de ser sempre premeditada.
“O assediador sempre espera o momento em que a vítima está sozinha para não deixar testemunhas, mas as marcas são profundas. O preconceito é tão danoso, que ele nega direitos fundamentais, exclui, coloca estigmas, e a pessoa se sente humilhada, violentada. Quando o assediador percebe a extensão do dano, ele tenta minimizar, dizendo ‘não foi bem assim, você me interpretou errado, eu não sou discriminador, na minha família, a minha avó era negra’.”
Ester ainda afirma que teria sido pressionada a deixar o trabalho, ao relatar o ocorrido a uma conselheira do Colégio. Como decidiu permanecer, passou a ser vigiada constantemente por colegas.
“Eu estou lá e consegui passar numa entrevista porque sou qualificada para o cargo, mas ela não viu isso. Ela quis me afrontar e conseguiu abalar as minhas estruturas emocionais a ponto de eu me sentir um lixo e ficar dois dias trancada dentro de casa sem comer e sem beber. Você pensa em suicídio, se vê feia, se sente um monstro.”
Sequelas e legislação
Ester revela que as situações vividas no trabalho mexeram com sua auto-estima e também provocaram grande impacto nos estudos e no convívio social.
“Desde que isso aconteceu, eu não consigo mais soltar o cabelo. Quando estou na presença dela eu me sinto inferior, fico com vergonha, constrangida, de cabeça baixa. É a única reação que eu tenho pela afronta e falta de respeito em relação a mim e à minha cor.”

O Boletim de Ocorrência foi registrado como prática de “preconceito de raça ou de cor”. A Lei Estadual nº 14.187/10 prevê punição a “todo ato discriminatório por motivo de raça ou cor praticado no Estado por qualquer pessoa, jurídica ou física”. Se comprovado o crime, os infratores estarão sujeitos a multas e à cassação da licença estadual para funcionamento.

BRASIL: Advogada denuncia racismo: "não quero ser atendido por uma negra"

Fonte: O globo, republicado em http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/08/advogada-denuncia-racismo-nao-quero-ser-atendido-por-uma-negra.html

Advogada denuncia contribuinte por racismo em Campinas. Segundo a vítima, homem disse que ‘negro não serve pra nada’. Crime é inafiançável, pode haver multa e pena é de até 5 anos de prisão

Uma advogada que trabalhava na prefeitura de Campinas (SP) aguarda a decisão da Justiça pelo tratamento denunciado como racismo recebido de um contribuinte. O crime de racismo é inafiançável, pode haver multa e a pena vai de um a cinco anos de prisão. Os casos de injúria racial, em que a pessoa atribui uma característica pejorativa ocorrem em situações mais frequentes por nacionalidade, cor, local de moradia e profissão, segundo a Comissão do Negro.
Ana Vanessa Silva foi vítima de preconceito e há três anos aguarda a decisão do processo judicial. “Eu não quero ser atendido por uma pessoa negra”, disse o contribuinte. O caso ocorreu ao enfrentar um constrangimento durante o atendimento. Ela disse que o homem ficou nervoso ao verificar que seria atendido por uma negra. “Negro não serve pra nada, negro só faz coisa errada”, afirma sobre o modo que o contribuinte comentou. O homem responde o processo em liberdade e se for condenado pode ficar até quatro anos preso.
Assumir um preconceito não é algo comum, muitas atitudes revelam um pré-julgamento e podem desvalorizar a pessoa socialmente. “Se você mora num determinado bairro ou em uma determinada região, então você já é conceituada por aquela região e baseado nisso você sofre prejuízos até quando vai procurar emprego”, afirma o presidente da comissão, Ademir José da Silva.
Os reflexos para quem sofre algum tipo de preconceito podem muitas vezes se tornar irreversíveis. “Nos momentos extremos de uma situação aguda, de constrangimento, de exposição, essas pessoas sofrem muito mesmo que podem evoluir para alguns quadros psiquiátricos”, explica o psiquiatra Eduardo Henrique Teixeira.


O constrangimento enfrentado pela Dra. Ana Vanessa Silva é uma prova viva de que no Brasil o preconceito não se limita à questão social (A Página Vermelha)

quinta-feira, agosto 23, 2012

BRASIL: O comunismo dos armênios no Brasil: A tragetória de Levon Yacubian





Resumo: Para uma fração da comunidade armênia de São Paulo, entre os anos 1930-60, o comunismo era sobretudo uma forma de sobrevivência política dentro desta colônia de imigrantes. Neste sentido, o presente trabalho pretende analisar a trajetória de Levon Yacubian, líder comunista da coletividade armênio-brasileira, editor de jornal propagandista, preso pelo DEOPS/SP por atividades subversivas. 


Palavras-chave: Armênios, Comunismo, repressão. 




Abstract: For a part of the Armenian community in São Paulo, among the 1930s-1960s, the communism was mainly a form of political survival within the colony of immigrants. Therefore, this paper is about the trajectory of Levon Yacubian, who was a communist leader of the Armenian-Brazilians, as well as propagandist newspaper editor. He also was arrested by DEOPS/SP for subversive activities. 

Keywords:  Armenians, Communism, repression. 



1. INTRODUÇÃO 

Em 1975, um jornalista de origem estrangeira residente em São Paulo dá entrada no DEOPS/SP(1)  para retirar uma certidão que o permita obter a sua habilitação de motorista amador. Para qualquer cidadão brasileiro, tal procedimento poderia soar trivial e ser executado sem grandes problemas. Entretanto, para indivíduos de origem estrangeira, a desejada certidão ensejava o início de uma devassa na vida pessoal do requerente. 

Assim aconteceu com Levon Yacubian, indivíduo de origem armênia. A simples vontade de expedir a habilitação de motorista trouxe a tona toda sua ação de militante político de esquerda e de liderança respeitada no seio da coletividade armênia brasileira. Ao mesmo tempo, tal certidão exumou as cicatrizes que o aparelho repressor do DEOPS/SP deixou na vida desse militante comunista. 

Assim, o objetivo desse trabalho é, através de uma figura central, compreender algumas características do comunismo da comunidade armênia de São Paulo entre os anos de 1930 e 1964 e como a repressão do Estado autoritário, através de sua ramificação de inteligência e operação – no caso o DEOPS/SP –, agiu para cercear a atividade “subversiva” desses elementos “alienígenas”, conforme nomenclatura recorrente nos prontuários gerados por tal órgão. 

Para cumprir tal objetivo, utilizaremos como fonte os prontuários produzidos pelo DEOPS/SP no decorrer da atividade de investigação e prisão do elemento suspeito. O Fundo DEOPS/SP do Arquivo Público do Estado de São Paulo(2) é reconhecidamente um rico acervo para o estudo dos períodos autoritários da história republicana brasileira e com base nesses documentos, já nasceram diversas pesquisas que tratavam do engajamento político do imigrante e da respectiva repressão(3). 

Para os armênios, segundo nossos levantamentos preliminares, existem cerca de 400 prontuários, sendo que aproximadamente 130 destes foram fichados pelas autoridades como comunistas. Ou seja, é perfeitamente viável, no que diz respeito à disponibilidade das fontes, a proposta de estudar os armênios comunistas no Brasil. 

Entretanto, antes de adentramos na história de Levon Yacubian, far-se-á necessário uma breve digressão pela história da imigração armênia no Brasil, bem como o cenário político que esses indivíduos trouxeram para o país. 


2. A IMIGRAÇÃO ARMÊNIA PARA O BRASIL: PECULIARIDADES SÓCIOPOLÍTICAS 

A chegada dos armênios à América e mais especificamente ao Brasil constitui um processo histórico bem peculiar, se comparada aos demais fluxos migratórios euro-asiáticos que tiveram lugar no final do século XIX até meados do século XX. Não houve uma política de Estado de incentivo à imigração desse povo. Sem  um Estado autônomo desde 1064, capitulado ante os turcos, os armênios se espalharam pelo mundo(4) principalmente após o Genocídio iniciado em 1915, que ceifou a vida de mais de 1,5 milhão de armênios que viviam no interior do Império Turco-Otomano(5).

Devido à imigração armênia ter sido um processo particular e individualizado, não é de se espantar o pequeno número que emigraram para o Brasil se comparado com trabalhadores oriundos de outros países, ou ainda se pensarmos nas cifras de imigrantes armênios em nações que incentivaram o aporte destes, como França ou EUA. Não há um número exato de quantos armênios há atualmente no Brasil. Roberto Grün (1992:17), estima que haja entre 20 a 25 mil armênios, sem discriminar, todavia, se ele considera nesse número apenas os da primeira geração ou também seus descendentes. 

De acordo com Hagop Kechichian, a primeira entrada substancial de armênios no país se deu via Rio Grande do Sul, por comerciantes que em busca de oportunidades de negócios, atravessaram a fronteira uruguaia com o Brasil e se estabeleceram em cidades daquele estado. Alguns mascates armênio-uruguaios alcançaram o sudeste, principalmente as cidades de Rio de Janeiro e São Paulo (KECHICHIAN,  2000:23-24 e 46-48). Contudo, a chegada do maior contingente de imigrantes se concentrou entre os anos de 1924-1926 (Ibid.:32), alcançando o número de cinco mil armênios no país em 1935 (Ibid.:51), atraídos muitas vezes pelas experiências dos árabes na Síria e no Líbano – países nos quais os armênios se refugiaram no primeiro momento –, que remetiam cartas às famílias contando das vitórias e conquistas no Brasil (Ibid.:31).

Kechichian (Ibid.:33) afirma que os primeiros que aqui chegaram se organizaram em pequenas sociedades e conseguiram iniciar pequenos negócios, principalmente vinculados às atividades comerciais de mascate. Uma vez estabelecidos e relativamente estabilizados, os novos imigrantes já direcionavam seus esforços para a confecção de calçados, atividade na qual muitos já trabalhavam nas cidades de origem. 

A partir daí, a vida social e política da comunidade tomou forma. As primeiras sociedades e associações foram fundadas, com o intuito de construir os dois pilares fundamentais da existência do armênio na Diáspora:  a Igreja e os partidos (SAPSEZIAN, 1988:167). Assim, foi formada em 1923 a Comissão da Fundação da Coletividade, com o objetivo de construir uma sede para a Igreja Apostólica Armênia no Brasil (KECHICHIAN, 2000:69). Também os católicos e evangélicos armênios conseguiram organizar-se e constituir suas entidades, em 1935 e 1927 respectivamente (Ibid.:72-73), e é na Igreja Evangélica Armênia que nasce a primeira escola armênia no Brasil, em 1937 (Ibid.:74). Além disto, sociedades culturais e recreativas também afloraram no seio da coletividade nas décadas de 1920 e 1930, bem como agremiações da juventude armênia, encenando peças e cantando músicas armênias em corais. A instituição mais significativa neste sentido foi a Sociedade Artística de Melodias Armênias – Clube Armênio – SAMA (Ibid.:80-84). Também prioritárias, as escolas primárias da comunidade surgiram tão logo foi possível, ainda na década de 1920. 

Por último, as agremiações partidárias também são instituições da primeira hora na coletividade armênio-brasileira. No Brasil, à semelhança em outros países da Diáspora armênia, destacam-se três partidos principais: Federação Revolucionária Armênia, Hentchak e Ramvagar. Entretanto, corria por fora da organização partidária um número considerável de comunistas, que adotaram tal postura política por razões inerentes ao ser armênio e ao estar no Brasil. Assim, passemos então a análise dessas razões. 


3. O COMUNISMO DOS ARMÊNIOS NO BRASIL E A REPRESSÃO DO DEOPS/SP 

A repressão do DEOPS/SP – 1924-1983(6) – conforme mencionamos, recai sobre uma boa fração da colônia armênia, que segundo o entendimento das autoridades repressivas, são “todos pertencem a Armênia Soviética [sic](7) e são comunistas, adeptos e admiradores de Stalin”(8), numa clara tentativa de demonização dos inimigos  políticos. Assim, nos cabe perguntar: se a disseminação do “credo comunista” entre os brasileiros já assustava as autoridades, o que podemos inferir quando refletimos sobre indivíduos ligados a um país que a esta altura era república integrante da URSS(9)? Nesse contexto, os armênios rotulados como comunistas se encaixavam perfeitamente no perfil estereotipado que a repressão criou para enquadrar os elementos indesejáveis: “os revolucionários, os contestadores, os sindicalistas, os estrangeiros, os operários, os anarquistas e os subversivos” (PEDROSO, 2005:114).

Naquela altura, com a Armênia sendo uma das repúblicas socialistas soviéticas, era normal que muitos armênios apoiassem a URSS sem necessariamente ter um gesto de simpatia ao comunismo. Até mesmo o partido democrata liberal  Ramgavar, de cariz conservador e burguês, era um entusiasta da Armênia Soviética, uma vez que foi a anexação do país à URSS o que garantiu a manutenção do torrão nacional, longe da constante ameaça turca. Convém lembrar que não havia entre as agremiações diaspóricas armênias, um partido essencialmente comunista, mas sim indivíduos simpatizantes com os ideais comunistas que poderiam militar entre os brasileiros e divulgar suas ideias entre os patrícios. 

Dessa forma, muitas vezes a repressão feroz e intolerante do Estado não consegue diferenciar o que é comunismo do que é admiração de cunho nacionalista pela Pátria-mãe. Assim, acreditamos ser possível dividir os comunistas fichados pelo DEOPS/SP em três grupos distintos: a) os que apóiam a URSS pelo fato da Armênia estar contida naquele país; b) os que são comunistas para demarcar terreno político dentro da coletividade, uma vez que a vida político-partidária era intrínseca ao indivíduo armênio; c) os que eram comunistas strictu sensu, comprometido com toda a teoria e prática peculiar a essa postura. Entretanto, esses grupos não são excludentes, ou seja, um indivíduo pode se enquadrar nas três categorias simultaneamente. Acreditamos ser esse o caso de Levon Yacubian, nosso objeto de estudo. A seguir, analisaremos a sua ação política a partir de seu prontuário no DEOPS/SP para clarificar tal ponto


4. A TRAJETÓRIA DE LEVON YACUBIAN 

Levon Yacubian nasceu em Alepo, na Síria, em 15 de dezembro de 1925(10). Sua família chegou ao Brasil quando ele tinha dois anos de idade, pelo porto de Santos. Entre idas e vindas, fixou-se em São José do Rio Preto, onde trabalhou como revisor de jornais e revistas, começando assim sua carreia ligada ao jornalismo. Em 1949, já na capital paulista, Yacubian trabalhava no jornal “Folha da Manhã”, quando foi preso juntamente com um compatriota(11), acusado de atividades subversivas(12).
Paralelamente às suas atividades profissionais no “Folha da Manhã”, o jornalista era editor, redator e secretário do jornal “Ararat – a voz do povo armênio”, tido pelo DEOPS/SP como subversivo e comunista(13). Em dezembro de 1946, o jornal possuía dezenas de assinantes em diversas partes do país, mostrando ter uma grande circulação e penetração na coletividade armênia no Brasil(14). De circulação bimestral, o  Ararat era a expressão do segmento mais à esquerda da coletividade armênia, colocando-se em uma postura crítica com relação aos problemas da coletividade brasileira e os rumos que essa tomava sob a direção da Federação Revolucionária Armênia – FRA –, principal força política na diáspora armênia no Brasil e no mundo. Assim, mais que um órgão comunista para além da comunidade, o Ararat era um veículo de propagação de ideias e de oposição no interior da mesma, servindo para marcar uma posição política clara frente às demais  forças partidárias que coexistiam na colônia armênia do Brasil(15). 

Além do  Ararat, Yacubian era membro da  União Cultural Armênia de São Paulo(16), entidade que também era tomada como subversiva pela repressão, uma vez que tinha vários nomes em comum com o jornal, como o do intelectual armênio-brasileiro Jacob Bazarian, egresso da Academia de Ciências da União Soviética(17), além de receber materiais informativos sobre a URSS(18). 

Tal postura oposicionista do  Ararat na coletividade não descarta, contudo, o caráter socialista da publicação. Embora não consigamos encontrar nos textos do periódico grandes alusões teóricas ao marxismo-leninismo e ao bolchevismo – como também não era comum nos demais intelectuais brasileiros de esquerda no período (KONDER, 2009:73-75) –, é evidente a simpatia ao regime soviético e à figura de Stalin. Em uma edição comemorativa ao aniversário do líder soviético, o jornal estampa uma manchete com os dizeres “Stalin e os armênios”, acompanhado de um extenso texto de Yacubian acerca das proezas de Stalin e dos benefícios do comunismo para a Armênia(19). Na mesma edição, todavia, Yacubian da cadeia, também assina o texto denominado “os tashnags a caminho da traição”, mostrando assim em um mesmo número do jornal os diversos usos do comunismo para os armênios do Brasil. 


5. CONCLUSÃO 

Levon Yacubian ficou preso por pouco mais de dois meses – entre 18 de junho e 09 de setembro de 1949 – devido à distribuição do referido jornal(20). Neste tempo, foi emitida contra o réu uma portaria de expulsão do território nacional, punição passível e recorrentemente usada contra elementos estrangeiros que causavam transtornos a ordem nacional, na visão do Estado autoritário. Frente a isso, Yacubian pediu visto de trânsito para deixar o país e ir para o Uruguai, onde procuraria a embaixada da URSS. 

Entretanto, em outubro de 1949, beneficiado por um despacho do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, a expulsão de Yacubian foi arquivada e o réu foi inocentado. A decisão se deu após o juiz entender que a atividade do jornalista não feriu a legislação vigente e não acarretou em danos para o país.

Apesar da absolvição, é fato que Levon Yacubian, ainda que não pertencente ao Partido Comunista Brasileiro e não seguir as orientações do Komitern, agiu no sentido de atrair os seus compatriotas para o lado do comunismo, ainda que essa adesão se desse de acordo com os usos que o jornalista dava a tal ideologia no interior da coletividade. Contudo, pode ter pesado na decisão da justiça a repercussão que o caso tomou. Na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, instituição a qual Yacubian frequentava na época de sua detenção, foi organizado um abaixo-assinado em protesto à manutenção da prisão do jornalista mesmo depois da  expedição do alvará de soltura. No mesmo número do Ararat supracitado, também havia uma nota sobre a prisão do jornalista e o descontentamento da sociedade com tal acontecimento. 

Enfim, importa menos o motivo da libertação de Yacubian do que o processo do qual ele faz parte. Preso com um companheiro por atividades subversivas, editor e escritor de um jornal de ampla circulação na comunidade armênia do Brasil, próximo a intelectuais e pensadores ligados mais diretamente a URSS e também inserido na intelectualidade brasileira através da USP, Yacubian mostra-se um valoroso militante, engajado principalmente nos problemas de sua pátria-mãe e da coletividade na que está inserido. Por esse prisma, o comunismo armênio não interfere na sociedade brasileira enquanto força política ameaçadora. Entretanto, na medida em que a ação de Yacubian transborda a coletividade e atinge a universidade, por exemplo, suas atividades engajadas compõem um rico cenário das esquerdas brasileiras no século XX, cujas fileiras são engrossadas por centenas de imigrantes com diferentes formações pessoais e políticas que afluem para o grande rio caudaloso da oposição do autoritarismo repressivo brasileiro e sua principal materialização: o DEOPS. 

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*Graduado em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora – MG, mestrando em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pesquisador do grupo “E/Imigrações: histórias, culturas, trajetórias”, CNPq. 

(1) Chamado nesse momento de Departamento Estadual de  Ordem Política e Social de São Paulo, mas ficou também conhecido pela sigla Dops, que designava o antigo nome de “Delegacia de Ordem Política e Social” (AQUINO, 2001:19).
(2) Doravante denominado de APESP. 
(3) Cf. DIETRICH, 2007, WIAZOVSKI, 2001, ZEN, 2005.
(4) Aharon Sapsezian (1988:161-162) estima que, enquanto viviam na Armênia Soviética cerca de 3,1 milhões de armênios, outros 3,5 milhões estavam espalhados pelo mundo. 
(5) Cf. TERNON, 1996. 
(6) O DEOPS foi criado, segundo Regina Célia Pedroso,  em um contexto de repressão política e formação  
ideológica contra àqueles que fossem julgados prejudiciais para a manutenção da ordem vigente, principalmente os anarquistas e estrangeiros em um primeiro momento. (PEDROSO, 2005:112-114). 
(7) Embora estes tenham emigrado antes de 1921, quando a Armênia se tornou uma das Repúblicas Socialistas Soviéticas. 
(8) Pront. nº 98.438 - Vartavar Tchungurian. DEOPS/SP, APESP. 
(9) Taciana Wiazovski (2001:37) nos mostra que eram justamente os imigrantes – sobretudo judeus – oriundos dos países pertencentes à URSS e seus satélites os mais perseguidos pelo DEOPS/SP sob a acusação de comunismo. 
(10) Pront. 73.631 – Levon Yacubian, DEOPS/SP, APESP. Curiosamente, há outro prontuário que trata do mesmo personagem, registrado sob o número 121.455 em 1952 e com o nome grafado de outra forma: Levon Jacobian. 
(11) Pront. 46.273 - Agop Boyadjian, DEOPS/SP, APESP. 
(12) Pront. 121.455 – Levon Jacobian, DEOPS/SP, APESP. 
(13) Pront. 98.526 – Ararat, DEOPS/SP, APESP. 
(14) Todos os assinantes foram fichados pelo DEOPS/SP e possuem prontuários arquivados no APESP. 
(15) Isso fica claro em um texto de Yacubian para o jornal: “somente o poder socialista dos operários, camponeses e intelectuais armênios é que conseguiu derrotar definitivamente, na Armênia, as forças retrogadas [sic] do governo tashnag de Vratzian. Somente o socialismo é que deu o poder governamental nas mãos do povo armênio, outrora escravisado [sic] e espoliado por  meia dúzia de lacaios tashnags”  Ararat – A voz do povo armênio. Ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de  1950, p. 1. Lembrando que “tashnags” é a denominação em armênio para os membros da FRA.
(16) Pront. 94.341 - Sociedade Cultural União Armênia de São Paulo, DEOPS/SP, APESP. 
(17) Pront. 95.621 - Jacob Bazarian, DEOPS/SP, APESP. 
(18) Pront. 94.341. 
(19) Ararat – A voz do povo armênio. Ano IV, nº. 39-40; dez. 1949 a jan. 1950, p. 1. 
(20) Pront. 73.63. Desse trecho em diante, as informações são oriundas deste prontuário, salvo exceções que serão notificadas.

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domingo, agosto 19, 2012

MUNDO: Por que a mídia ocidental defende tanto o "Pussy Riot"?


Por Cristiano Alves

Nadyejda Tolokonnikova, integrante do grupo Pussy Riot(Rebelião das xanas) denuncia o seu "processo stalinista" e carrega uma camisa com os dizeres "No Pasarán", que ironicamente pertence à mais famosa "stalinista" espanhola.

Como reagiria um brasileiro num rito de candomblé se repentinamente seu local de culto fosse invadido por indivíduos desconhecidos que, alegando professar o candomblé, agisse de modo diverso dos fiéis daquela casa portando indumentárias distintas das pessoas do local? Algo parecido aconteceu na Rússia, quando uma banda autoproclamada "punk" adentrou o principal templo da religião ortodoxa, sendo após o incidente presas, julgadas e condenadas, o que despertou uma enorme atenção da mídia ocidental, que desde então em lhe conferido um colossal apoio talvez nunca antes visto por um opositor. Para entender o caso "Pussy Riot"(literalmente, "Revolta das xanas"), é preciso entender o quadro como um todo.

Desde os tempos de sua formação em Kiev, a Rússia(hoje com a sede em Moscou) tem atraído a atenção e o assédio de diversos poderes externos, o império dos cazares, dos mongóis, tártaros, da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, República das Duas Nações, do finado e sepultado Império Sueco, França napoleônica, Império Britânico, Alemanha nazista, Estados Unidos... enfim, uma lista completa demandaria um parágrafo inteiro. Todos esses poderes tem uma coisa em comum, que é sua expulsão do território russo, e isso é notável e registrado nos mais elementares livros de história russos até documentários norte-americanos como The battle of Russia. Nos dias atuais, o assédio contra o país russo não se dá por meios militares, uma vez que isso poderia levar à guerra nuclear, mas através do patrocínio de forças russófobas encontradas na própria Rússia, a mídia ocidental cria uma ilusão dicotômica, maniqueísta, onde Barack Obama, envolvido até o pescoço em sanguinárias guerras imperialistas aparece como o "príncipe do bem", um "promotor da paz", e ícones do pós-modernismo como Lady Gaga e Madonna aparecem como "arautos de uma nova arte que expressa como somos livres e modernos sob o capitalismo", tudo parte de uma ideologia cosmopolitista e globalista, onde deve-se abraçar os valores do "Império da democracia e da liberdade", sendo toda e qualquer manifestação tradicionalista ou nacional um sacrilégio que "deve desaparecer na tempestade mundial", tal é a mentalidade dessa imposição cosmopolitista, de um mundo formado por "bons" de um lado e "loucos e desvairados" de outro, tal como num desenho infantil.

Se a ideologia globalista apresenta ao mundo "quem são os bons caras", quem seriam os "caras maus"? Esses seriam justamente todos aqueles que não aceitam as imposições do Império hegemônico, naturalmente China e Rússia, dois países que em diversas oportunidades já se opuseram à sanha beligerante dos impérios americano e europeu, mas a China é muito rica, empresta dinheiro ao ocidente e em muitas oportunidades sustenta a sua economia capitalista, logo não é uma boa ideia incomodá-la, mas outro foi forte no passado e hoje encontra-se enfraquecido, mas não com os dois joelhos no chão ainda, a Rússia, e todos aqueles que não aceitam uma Rússia submissa, completamente de joelhos ante o mundo ocidental, que sabe que mais de 70% das forças fascistas foram derrotadas pelos soviéticos, e não pelos americanos, que entende que Stalingrado era uma cidade soviética, e não um bairro de Nova Iorque, torna-se um elemento perigoso, "reacionário e retrógrado", "autoritário antidemocrático", um "radical" que deveria estar num museu.

De fato a oposição russa tão retratada na mídia ocidental tem um formato heterogêneo, nela encontra-se aqueles que acreditam que o melhor caminho para a Rússia é ajoelhar-se ante o ocidente, os liberais, aqueles que acreditam que o caminho para a Rússia é "voltar ao futuro soviético"(e mesmo esses dividem-se entre os defensores da economia dos tempos de Stalin e do caminho chinês ou bielorrusso), há ainda os que acreditam que o caminho está na monarquia, e mesmo aqueles que acreditam que o caminho está na "expulsão dos negros e destruição dos judeus", estes últimos, por sua vez, são idiotas úteis ao governo para desmoralizar a oposição. De todos esses grupos, o que menos interessa ao ocidente são os comunistas, pois este não quer uma nova União Soviética e muito menos um Lukashenko russo cheio de mísseis nucleares e recursos naturais à sua disposição para competir a altura com companhias ocidentais. O que interessa ao ocidente é uma Rússia fraca, descentralizada, esfacelada, onde companhias ocidentais possam atuar sem óbices na exploração de seus recursos minerais e de seu povo. É por isso que todas as ações que enfraqueçam a Rússia são de pronto apresentadas positivamente na imprensa ocidental, seja o esfacelamento da União Soviética, a guerra da Chechênia, governantes russófobos eleitos na Ucrânia, manifestantes de top less anti-Rússia ou anti-Belarus, essa ou aquela crise no Cáucaso ou simplesmente uma banda punk que invade uma catedral para protestar contra o governo, ainda que o país tenha centenas de bandas e cantores de protesto.

A Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Moscou é uma instituição muito antiga na Rússia, vinculada à formação da mentalidade de seu povo, que em diversas ocasiões o inspirou na luta contra os invasores do país. Mesmo durante os anos da Revolução Russa, foram cometidos erros severos contra a Igreja Ortodoxa, situação que ficou tão séria a ponto de um dos líderes do Partido Bolchevique e da Revolução de Outubro intervir no caso, I. V. Stalin, emitindo uma ordem para proibir as violações às casas de oração ou prisões por motivo de religião. Mais tarde, sob o governo desse revolucionário foi restaurado o Patriarcado de Moscou, que desde os tempos do tzar Pedro havia sido suspenso e convertido em Santo Sínodo, bem como preservadas várias igrejas antigas. A ação do Pussy Riot, entretanto, nada tem a ver com um "contexto revolucionário" ou "ataque a um símbolo", tem a ver somente com uma tentativa de marketing muito mal sucedida, uma vez que culminou na prisão das integrantes do grupo, mas por outro lado bem sucedida, já que conquistou a simpatia do mundo ocidental, não por causa de sua música, mas por que podem posar como "vítimas da falta de liberdade de expressão no país", tão grave como em outros países capitalistas ocidentais como os EUA, onde a atriz holywoodiana Daryl Hannah foi presa por liderar um protesto pacífico contra a construção de um oleoduto no país, que traria grandes impactos ambientais, comprovando a tese do "fascismo corporativo" naquele país.

O grupo Pussy Riot, a começar pelo seu nome, é só mais um símbolo da pobreza e decadência cultural da Rússia burguesa. Essas pseudofeministas, que envergonhariam Aleksandra Kollontay, revolucionária russa, expôs numa de suas entrevistas o seu grau de estupidez e falta de coerência, ao comentar o processo movido contra elas, motivado pelo seu "pornô-huliganismo". Em tal entrevista, a integrante Nadyejda denuncia o "processo stalinista", envergando uma camisa com a mensagem "No pasarán!", que ironicamente era o bordão de Dolores Ibarruri, la Pasionera, a mais famosa "stalinista" espanhola.



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