segunda-feira, outubro 07, 2013

BRASIL: Caro almofadinha, qual foi a sua cota?

Por Cristiano Alves




O Brasil... segundo a extrema-direita

Recentemente teve certa repercussão nas redes sociais a carta de um certo estudante da Univali(Universidade do Vale do Itajaí). Com o nítido propósito de aparecer, o estudante publicou uma carta onde alega "recusar-se a fazer trabalho sobre Marx por tudo o que ele representa de ruim". Fala em sua carta sobre "pressão psicológica sofrida", sobre o Brasil ter um "avançado nível de marxismo cultural", que seria responsável "pelo consumo de drogas" e por todas as mazelas da sociedade brasileira. A carta foi publicada num site conservador da UFSC e no blog do economista Rodrigo Constantino, no site da revista Veja, alcançando milhares de visualizações.

Primeiramente, necessário se faz entender as visões de mundo do almofadinha da Univali. O estudante faz parte de uma universidade particular, durante toda a sua vida estudou no Colégio Catarinense, um colégio de elite de Florianópolis, mantido por padres jesuítas. Não trabalha e é filho de um empresário da construção civil e de uma designer de moda que agora abre uma empresa, em poucas palavras, o menino cresceu "tomando mel". É filho único, o que explica seu caráter de menino mimado explícito na carta. Mas o principal, é aluno do neofascista Olavo de Carvalho, um ex-articulista da revista Época e do jornal O Globo. O "professor" que o universitário catarinense respeita é um homem que defende, dentre outras coisas, tiranias totalitárias como as de Franco e Salazar, dois católicos fervorosos, a pena de morte para comunistas(incluindo nomes como o finado Oscar Niemeyer) e diz que "cospe na cara dos generais do Exército Brasileiro". Olavo de Carvalho também chama vítimas de um massacre de "boiolas" e emprega o mesmo epíteto contra conservadores da Opus Dei, que segundo ele não são "suficientemente zelosos" e nem "publicam materiais anticomunistas suficientes", ele também se apresenta como "refutador" da obra científica de Albert Einstein e Isaac Newton, condenando-os por sua postura que foge ao fundamentalismo católico medieval e tacanho. Mas, sem dúvidas, o principal ensinamento do energúmeno neofascista é a pregação ad eternum de que "estamos todos cercados de comunistas comedores de criancinhas", tentando exportar dos EUA(onde vive) o mccarthismo desenterrado dos anos 50. E se isso é pouco, o estudante da Univali se diz um "monarquista", regime escravocrata e abertamente racista, cujo imperador, Dom Pedro II, chegou a ter como mentor Gobineau, tido por muitos como "o papa do racismo". Numa das fotos de seu álbum do Facebook, o estudante citado aparece orgulhoso ao lado de um descendente de Dom Pedro I, Bertrand Wittelsbach(o nome completo do sujeito requer uma linha inteira), figura arrogante, senil e caricata que se recusa a receber jornalistas que não o tratem por "Vossa Alteza" ou que não lavem as mãos antes de cumprimentá-lo. Assim, termos um perfil do almofadinha que nada conhece sobre um autor que pretende criticar.

Em segundo lugar, as colocações do estudante catarinense são absolutamente risíveis para qualquer um que conhece o modelo universitário. Universidade não existe para insuflar egos, não é clubinho onde só se fala daquilo que se aprecia, nem igreja onde todos vão movidos por uma fé religiosa num assunto impassível de qualquer discussão ou debate. Deste modo, é perfeitamente normal e aceitável que num curso de história, por exemplo, um professor passe um trabalho sobre o paganismo para alunos que professam a fé cristã. Isso não implica em dizer que a faculdade promove "doutrinação pagã", nem quer dizer que "o professor é pagão", mas indica, certamente que a instituição promove a pluralidade de valores e o conhecimento de um assunto que costumeiramente não é abordado. Mas, para ser mais polêmico, é perfeitamente aceitável que um professor, querendo demonstrar os horrores do fascismo, passem um trabalho sobre Adolf Hitler ou Benito Mussolini. De modo análogo, é perfeitamente normal e aceitável que um professor, marxista ou não, passe trabalhos acadêmicos sobre Karl Marx, Friedrich Engels, Lenin, Stalin, Paul Baran, Paul Sweezy ou outros economistas marxistas, o que nada tem a ver com "doutrinação ideológica". Ocorre que para neofascistas, qualquer professor que não exerça a genuflexão ante a ideologia anticomunista, que não repita o mantra de que "comunistas são genocidas que mataram milhões e comem criancinhas", é automaticamente taxado de "propagandista do satânico marxismo". 

Perseguições a intelectuais acadêmicos acusados de "propaganda comunista" não são uma novidade, nos EUA ela é exercida com um caráter inquisitório desde os anos 50, da época do McCarthismo, da "Caça às Bruxas", no Brasil ela foi exercida por anos durante sua ditadura fascista, e é exercida hoje pela polícia ideológica da direita, inconformada por se ver cada vez mais longe do poder. Essa política, aliás, não se dá apenas no Brasil, nos EUA, há algum tempo, um professor da Montclaire University, Grover Furr, foi injuriado e difamado por provocadores libertários, os chamados "anarcocapitalistas". Num debate sobre pensadores, um almofadinha ianque insinuou que "regimes comunistas não deram certos por que mataram centenas de milhões", ao que o professor respondeu como sendo "bullshit"(literalmente, merda), "bollocks"(besteira), e demonstrou como em anos de pesquisa não encontrou um só crime cometido por Stalin, demonstrando ainda que a história soviética, assim como a americana, é deliberadamente falsificada para fins políticos. A postura enérgica do professor lhe valeu um vídeo onde era chamado de "louco" e blogs americanos chegaram a publicar em 4 línguas um pedido de sua expulsão da universidade, o que felizmente não vingou. No imaginário reacionário, todo país que se opõe ao capitalismo selvagem está a "matar milhões", resta saber como com tantos bloqueios, guerras civis e invasões armadas esses "Estados matadores de milhões" conseguem repor sua população tão rapidamente(a despeito da queda nas taxas de mortalidade), já que nem mesmo as estatísticas de organizações ocidentais registram decréscimos populacionais.

É gritante o baixo nível intelectual do nosso "universotário", que daria um bom participante para o extinto programa "Show do Milhão", conhecido pelo nível dos universitários participantes. O seu baixo intelecto, que só pode produzir diarreias mentais, nos "contempla" com a alegação de que "o marxismo cultural trouxe o consumo de drogas, funk, crise de valores, etc". Ora, quem promove o tráfico de drogas não é o "comunismo", mas sim o capitalismo! É uma verdade inexorável que a maior guerra promovida em nome do tráfico de drogas foi a Guerra do Ópio, promovida pela maior potência capitalista da época, o Reino Unido, após a China imperial proibir o tráfico de ópio feito empreendido pelos britânicos no Império do Meio(China), através da Índia, sua colônia. A medida tomada pela China, que qualquer "conservador honesto" declararia como moralista e justa, foi motivo para que ela fosse invadida, saqueada e humilhada por uma potência capitalista. O almofadinha catarinense, que se diz "praticante de kung fu", logo supostamente entusiasta da cultura chinesa, deveria saber que a polícia imperial chinesa chegou a queimar toneladas de ópio e fechar empresas ocidentais que o comerciavam, mas infelizmente, como advertido num famoso filme chinês de kung fu estrelado por Jet Li(Era uma vez na China), o kung fu não foi suficiente para derrotar balas.

Ora, se o olaviado diz que "droga é coisa de comunista", resta perguntar, o Império Britânico, um dos maiores traficantes de drogas da história, era comunista? Pior, os marines americanos são alguma "Guarda Vermelha"? Afinal, a maior produção de drogas está em territórios ocupados pelas forças armadas dos Estados Unidos. O maior produtor de drogas na América Latina é a Colômbia, país sulamericano com a maior presença militar americana. O maior produtor de drogas na Ásia é o Afeganistão, que concentra um grande número de tropas americanas. Segundo a rede de notícias conservadora Fox News, o USMC(Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos) faz guarida de enormes campos de papoula, da qual é extraída o ópio e a heroína, no Afeganistão. As drogas sempre foram instrumentais na regulação da balança comercial capitalista e mesmo no processo de destruição de movimentos sociais. O COINTELPRO do FBI facilitou a atuação de traficantes de droga em bairros negros com o objetivo de destruir todo o trabalho social realizado pelo Partido dos Panteras Negras e minar toda a resistência política negra. Essa atitude da camarilha capitalista é completamente distinta da política promovida nos países socialistas, onde o número de dependentes de narcóticos era mínimo. Na China, após a revolução liderada por Mao Tsé Tung, estima-se que o país que tinha mais de 30 milhões de narcodenpentes, conseguiu erradicar praticamente todo o consumo de narcóticos. A direita baseia-se na desinformação e Olavo de Carvalho e seus alunos são de fato experts em black propaganda, a ciência da mentira. Seu objetivo é chocar, através de factoides absurdos, não é produzir conhecimento, mas sim o ódio. Será que tais energúmenos tem ao menos a hombridade de assumir isso?

Mas o "conhecimento" do universotário não para por aí, a fim de fazer não apenas um desfile intelectual, mas também do que os internautas passaram a chamar de egotrip, o almofadinha diz que "lhe foi revelada a verdade oculta pela esquerda, a verdade revolucionária, ao visitar o Camboja", onde ele se tornou um "especialista em Marx". O curioso é que foi justamente no Camboja que Pol Pot afirmou publicamente "não somos comunistas, somos revolucionários", "que não pertencem ao grupo de comunistas da Indochina"(Ieng Sary, 1977, citado por Michael Vickery, p. 288). Aliás esse mesmo Pol Pot, que normalmente não é e nem nunca foi adotado como referência para partido ou comunista algum, foi justamente apoiado por aqueles que os liberais tanto idolatram, isto é, Ronald Reagan e Margaret Tatcher. O internacionalmente aclamado jornalista John Pilger escreveu em 1997, na Covert Action Quartely(algo como Semanário de Operações Especiais), um artigo que denuncia o apoio secreto dado por Ronald Reagan a Pol Pot, inclusive chegando a oferecer ao governo deste último um assento na ONU. Segundo o jornalista americano, "os EUA não apenas ajudaram a criar condições que levaram o Khmer vermelho ao poder no Camboja, como apoiaram ativamente sua força genocida, politicamente e financeiramente. De acordo com John Pilger, sem a ajuda dos Reagan e Tatcher, que visava tornar o Camboja um "Vietnã do Vietnã", que forneceu-lhe treinamento militar, minas terrestres e armas intermediadas pela Singapura, os crimes do Khmer Vermelho jamais teriam ocorrido. É importante frisar que antes de tudo isso, a tragédia humanitária no Camboja não se deu exclusivamente em razão do Khmer Vermelho. Durante os anos da guerra do Vietnã, o campo no Camboja foi intensamente bombardeado pela aviação americana, de modo que a capital Pnom Phen cresceu para 2 milhões de pessoas após a chegada de 600 mil pessoas oriundas do campo, fugindo dos bombardeios da USAF.

Mas era Pol Pot comunista? Pol Pot não era e nem nunca foi "comunista", o seu "comunismo" era apenas uma forma de se aproximar de uma potência vizinha, a China revisionista, em parte graças à influência de uma facção pró-vietnamita que depois foi expurgada do partido. Ao passo que o comunismo de Marx e Engels prega a primazia da classe operária no processo revolucionário, "proletários de todos os países uni-vos", Pol Pot apresentava os operários das cidades e intelectuais como elementos reacionários da sociedade, afirmando que "em vez de cultivá-los, o Khmer Vermelho deve liquidá-los como um legado do passado"(Thion, p. 27-8). Logo como alguém que apresenta uma postura anti-operária e anti-industrial assentada sobre um populismo camponês, pode ser chamado de "comunista"? De fato, Pol Pot deve ser encarado como um anticomunista de tipo medievalista. Apresentar tal homem, que jamais foi referência para partido algum e mesmo tem discursos impregnados de ódio contra a classe operária, como um "comunista", é uma demonstração sublime de ignorância e de má fé! Ora, não seria chocante que garotinho mimado da Silva de repente descobrisse que o "demônio comunista" que ele tanto condena em sua carta em realidade foi um homem apoiado pelos seus heróis conservadores, Ronald Reagan e Margaret Tatcher? Ídolos de seu "professor" Olavo de Carvalho. Mas que honestidade intelectual pode vir de um garoto que nunca leu Marx mas fez uma carta condenatória de seu trabalho? A propósito, a prática de "jogar bebês para o ar e apanhá-los em baionetas" é descrita por alguns estudiosos da história como "propaganda de guerra". Há inúmeras estórias na Grã-Bretanha sobre tropas alemãs empalando bebês em baionetas. Também há no Leste Europeu estórias sobre turcos empalando bebês austríacos, húngaros e russos em baionetas. Na China também há histórias sobre bebês empalados por baionetas de soldados japoneses.

Não menos ridículo que seu estilo de estilo de escrita é o "conhecimento de Lenin" do estudante catarinense. Aliás, o que o catarinense "sabe" sobre Lenin é digno de risos para quem conhece a obra do revolucionário e pensador russo. Quando Pedro fala de Paulo, eu sei mais sobre Pedro do que sobre Paulo. Quando um anticomunista fala do comunismo, nós sabemos muito mais sobre seus próprios preconceitos do que sobre o conceito que ele critica. O decálogo não apenas inexiste, como confirmado pelo próprio Rodrigo Constantino, mas é repetido ad infinitum por elementos reacionários que abominam a libertação sexual ou que tremem só de pensar em comunismo, que acreditam viverem um "marxismo cultural", como se fossem "uma ilha cercada por um oceano comunista", como se ruas tivessem o nome de revolucionários cubanos e soviéticos e as TVs transmitissem apenas "As aventuras de Chipolino" e filmes soviéticos sobre a IIGM, ou as rádios transmitissem apenas o "Coro do Exército Vermelho".

O nosso burguesinho não passa de um nefelibata! Antigamente, quem queria matar aulas ia jogar futebol ou mesmo video game, no caso de colegas deste que vos escreve, iam jogar sinuca. Alguns podem questionar tais atitudes, mas pelo menos estes não se prestavam a tal papelão. A extrema-direita acéfala e retardada escolhe seus heróis a partir de nulidades absolutas, interessadas apenas no show e no espetáculo. Pagam de "paladinos da moral e dos bons costumes", ao mesmo tempo em que tais fariseus mentem, distorcem e, pior que isso, tentam expiar o fardo de sua culpa pela sociedade que temos no "malvado comunismo comedor de criancinha". Há na sociedade muitos, principalmente dentre círculos burgueses, aqueles que atacam o sistema de cotas alegando que este "produz incompetentes e ignorantes", quando na realidades estes que o fazem são em não raros casos assim, daí, fazendo aqui uma apropriação irônica do discurso da direita, resta perguntar: João Victor Gasparino, qual foi a sua cota? Como abominações cognitivas como essas conseguiram terminar o segundo grau? Melhor seria que tal indivíduo nem mesmo tivesse entrado na universidade!

3 comentários:

henrique disse...

Parabéns pelo texto camarada, e tambem pelo blog muito bom continue o bom trabalho

Rodolfo disse...

Não sei se foi vontade de aparecer. Tem muita gente que, realmente, acredita nessas coisas que ele escreveu.

Erick Zirtênio disse...

Existe um nobel para blogues bem feitos?