quarta-feira, maio 10, 2017

A provação do Marechal Rokossovsky

Por Cristiano Alves



A famosa agência de notícias russa "Regnum" chamou Rokossovsky de "o marechal a quem não foi dada a cidade de Berlim", durante a comemoração de seu aniversário de 120 anos do seu nascimento (Rokossovsky veio a óbito em 1968). Neste dia 9 de maio, marchamos no Regimento Imortal carregando um enorme retrato do Marechal Rokossovsky pelas avenida principal de São Petersburgo, a Avenida Nevsky, mas quem foi esse comunista? O que o torna tão especial e digno de nossa grande admiração?





Rokossovsky nasceu em Varsóvia, na Polônia. Ao contrário de outros marechais soviéticos ele não era russo de nascimento, nem havia nascido numa das repúblicas soviéticas. Quando ele se tornou Herói da União Soviética, pela segunda vez, sua biografia oficial "arrumou um jeitinho" de estabelecer a sua cidade natal como Velikiy Luki, na Rússia, isso por que aquele que se tornava duas vezes Herói da União Soviética tinha direito a um busto em praça pública, assim, não parecia justo que um marechal tivesse seu busto fora do território soviético. Um outro fato marcava a biografia de Rokossovsky, ao contrário de outros bolcheviques, ele vinha da nobreza, o seu pai era um nobre polonês empobrecido, por essa razão ele trocou o seu patronímico.

A carreira militar de Konstantin Rokossovsky iniciou-se em 1914, quando começou a I Guerra Mundial, na cavaleria do Exército Imperial Russo, do qual fazia parte o Reino da Polônia. Ele tornou-se sargento, durante a guerra, combatendo às margens do mar Báltico. Quando o Império Russo entrou em declínio, em 1917, Rokossovsky aderiu aos bolcheviques, muito populares no Front, devido à sua promessa de acabar com uma guerra que não fazia absolutamente sentido algum para a Rússia, sacrificando milhões de vidas de soldados russos numa guerra contra o Império Alemão e que trazia benefícios apenas ao Império Britânico, que matava dois coelhos com uma cajadada só, acabando com dois impérios europeus, o alemão e o russo. Em dezembro de 1917, Rokossovsky deixaria o seu regimento de dragões imperiais para ingressar na Guarda Vermelha e no Exército Vermelho, como fizeram outros famosos sargentos de cavalaria que mais tarde se tornariam os primeiros e mais famosos marechais comunistas da União Soviética, Budyonniy, Voroshilov (o primeiro oficial vermelho) e Júkov. 

O comunista Rokossovsky foi designado para uma nova missão nos anos difíceis da Guerra Civil Russa, integrante agora da Cavalaria Vermelha. A ele foi dado o comando do Regimento de Cavalaria de Volodarskiy, nos montes Urais, parte central da Rússia. A vitória dos bolcheviques naquela região contra o Exército Branco era essencial para impedir a fragmentação da Rússia numa "Rússia Ocidental" e "Rússia Oriental" siberiana governada pelo movimento branco. Na data simbólica de 7 de novembro de 1919 (25 de outubro pelo calendário juliano), Rokossovskiy, que desconhecia o medo, marcou um duelo com o lugar-tenente do Almirante Koltchak, um dos maiores reacionários do movimento branco. O seu lugar tenente era o coronel Voznessenskiy, um anticomunista fervoroso, favorito do almirante branco e disposto acabar com o governo bolchevique a qualquer custo. Enquanto nobre, a sua honra agora estava em jogo e o duelo poderia decidir o resultado do conflito, sem grande derramamento de sangue. Duelos entre cavaleiros eram feitos com a shashka, arma branca dos cossacos adotada dos povos do Cáucaso, da Adiguéia, derivada da faca, feita para decidir em poucos segundos um combate a cavalo ou a pé, devido ao seu extremo poder de corte e de perfuração. Rokossovskiy investiu contra Vozneseenskiy e com apenas um golpe o cavaleiro vermelho desferiu um ataque mortal contra o cavaleiro branco.

A segunda prova de Rokossovskiy enquanto comandante da Cavalaria Vermelha se deu contra um inimigo que tinha a fama de anticomunista cruel, sádico, abertamente e sem máscara antissemita, um inimigo que se dizia a "reincarnação de Genghis Khan", um monarquista cujo fanatismo assustava até mesmo os seus colegas do Exército Branco, que combatia em uniformes mongóis com a platina de marechal e proclamava como o seu objetivo construir um enorme império que iria da Ásia até a Europa (ideia mais tarde adotada pelos eurasianistas, que o cultuam), que afirmava ser um nobre descendente dos cruzados, conhecedor de mais de 70 gerações de sua família, e que o "bolchevismo judeu" fora criado há mais de 3000 ano na Babilônia, o Barão von Ungern, nobre alemão étnico que fazia parte do exército do tzar, amigo do XIII Dalai Lama, budista convertido, conhecido pelos epítetos "Barão Sanguinário" e "Barão Louco". Em 1921, o cavaleiro vermelho Rokossovskiy destruiu as forças do general Rezuhin, do exército asiático do Barão Sanguinário, entretanto, ele próprio foi ferido gravemente em combate. Pela sua vitória ele recebeu a Ordem da Estrela Vermelha.

Ao final da Guerra Civil, em 1923, Rokossovskiy casou-se com Yulia Barminaya, sua primeira e única esposa por toda a vida. Era um marido exemplar que frequentemente dividia as tarefas domésticas com a esposa.
Rokossovskiy com a sua esposa, com quem ficaria até o fim da vida
Durante o período entre guerras, Rokossovskiy galgaria diversas posições no Exército Vermelho, após seus estudos iniciados em 1924, ano no qual conheceria um outro cavaleiro vermelho veterano de combates na Ucrânia, Georgiy Júkov, descrito por Rokossovskiy como um estudante obcecado, que no alojamento tinha sempre mapas espalhados pelo chão. Júkov, mais tarde, descreveria Rokossovskiy como um comandante pouco exigente com os seus subordinados, qualidades prejudiciais a um comandante.

Mas a sorte de Rokossovskiy viria a mudar em 1937. O premier soviético Iósif Stalin, também secretário-geral do PCUS, cometeria o gravíssimo erro de nomear para a chefia do NKVD um policial "comunista" que se apresentava como extremamente zeloso, como um comunista ortodoxo, leal e dedicado, mas que em realidade se tratava de um fanático, sádico e homossexual, Nikolay Yejov, que ascendeu á chefia dos Assuntso Internos após o desmascaramento de Genrih Yagoda, o mesmo que havia sugerido a criminalização do homossexualismo. Rokossovskiy, então, seria vítima do sádico homossexual, acusado de ser um agente do Japão e da Polônia, ele foi preso pelo NKVD enquanto ia à cidade de Leningrado (São Petersburgo) e expulso do Partido Comunista. Uma das principais acusações contra Rokossovskiy era a de ter se encontrado com o agente da contra-inteligência japonesa em Harbin, Mititaru Komatsubara. Rokossovskiy, na prisão do NKVD, sofreu as piores provações, ele teve dois dentes frontais seus quebrados em um interrogatório, seus dedos foram quebrados com um martelo, duas costelas suas foram quebradas com socos e ele passou por uma execução simulada com munição de festim. 

Nenhuma das tentativas de forçar Rokossovskiy a confessar a sua própria culpa funcionou. Nas palavras de seu neto, toda a acusação era baseada no relato do polonês Adolf Yushkevich, camarada de armas de Rokossovskiy durante a Guerra Civil. Mas Rokossovskiy sabia, que Yushkevich já havia falecido há muito tempo, e afirmou que concordaria em assinar a confissão caso trouxessem Yushkevich à sua presença. Conquanto iniciaram a busca por Yushkevich, foi constatado que ele já havia morrido. Foi marcado um julgamento para Konstantin Rokossovskiy, porém um dos membros do Colégio de Justiça Militar responsáveis pelo seu processo constatou que todas as testemunhas de acusação já haviam morrido. Foi marcada uma segunda audiência, também com acusações obtidas por meios ilícitos. O polaco nem confessou os crimes a ele atribuídos e nem entregou outros a quem inimigos disfarçados o quepe azul do NKVD pretendiam incriminar. Existe uma versão de que na época, Rokossovskiy foi secretamente enviado à Guerra Civil Espanhola.

Nikolay Yejov, líder do NKVD, homossexual, foi responsável por fabricar inúmeras acusações falsas contra personalidades leais ao comunismo, o que depois seria atribuído a Stalin. Ao contrário do que acontece em outros países, sua posição de autoridade não o impediu de ser processado, julgado, condenado e fuzilado por traição. Também foi o único membro do Comitê Central processado pelo crime de pederastia, passível de até 2 anos de prisão na RSFS da Rússia. Yejov frequentemente organizava orgias homossexuais e fazia lobby para seus parceiros no NKVD
Em 1940, Rokossovskiy foi solto, reabilitado e reintroduzido no partido, enviado para um descanso com a sua família em Sochi, no Mar Negro, colocado no comando de um corpo motorizado. 

Rokossovskiy enquanto general comunista
Rokossovskiy voltaria à guerra em 1941, colocado no comando da Batalha de Moscou, como tenente-general. Sob o seu comando estive a lendária unidade sob o comando do general Panfilov, que deteve uma unidade blindada alemã usando apenas fuzis e canhões antitanque, uma lenda do Exército Vermelho. A Batalha de Moscou então apresentava ao mundo dois grandes gênios militares, Rokossovskiy e Júkov. Em março de 1942, foi ferido por uma granada de morteiro, na região de Moscou, em julho já estava de volta à batalha na região de Stalingrado, onde no comando da Frente do Don, durante a Operação Urano, efetuou o cerco ao Marechal de Campo von Paulus, do III Reich, suas tropas capturaram ainda 24 generais, 2500 oficiais e 95 mil soldados nazistas. Stalin chamava Rokossovskiy por seu nome e patronímico, o que na cultura russa geralmente é feito como sinal de respeito por uma personalidade, geralmente mais velha. Pelo seu êxito militar, foi enviado à grande Batalha de Kursk, no qual triunfou. A ele foi encarregada a missão de libertar a República Socialista Soviética da Bielorrússia, ele próprio era filho de uma bielorrussa, e por sua vitória na Operação Bagration, junto a Júkov e Vassilievskiy, Rokossovskiy recebeu a Estrela de Diamantes e foi promovido a Marechal da União Soviética. 

Após a libertação da Bielorrússia Soviética, Rokossovskiy foi nomeado comandante da 1ª Frente Bielorrussa e Júkov da 2ª Frente Bielorrussa. A 1ª Frente Bielorrussa, com a missão de tomar a cidade de Berlim, seguiu rumo à Polônia, eles eram especialmente esperados em Varsóvia, onde teve lugar o "Levante de Varsóvia". As conversações entre Stalin e Stanislav Mikolaychik foram marcadas por grande ceticismo por parte do premier soviético, que alegava que grande parte dos insurgentes sequer tinham armas, enquanto os alemães tinham 3 divisões de tanques só em Varsóvia, sem contar a infantaria. Era típico do pensamento militar de Stalin e de uma forma geral da estratégia soviética apoiar somente grupos armados dos quais se pode ter a certeza da vitória, e essa foi uma das razões pelas quais ele não apoiou inicialmente a iniciativa de Kim Il Sung de reunificar a península coreana anos mais tarde. O Komintern cometeu esse erro diversas vezes, por exemplo, no Brasil. Pode-se imaginar a reação de Rokossovskiy ao saber que não poderia ajudar em sua cidade natal, Varsóvia, os seus compatriotas, o que inevitavelmente levaria a grandes perdas humanas para o Exército Vermelho, e decisões dessa natureza não faziam parte da personalidade de Konstantin Rokossovskiy. 

Após a sua campanha na Polônia, um telefonema de Stalin mudava Rokossovskiy para o comando da 2ª Frente Bielorrussa, Júkov recebia o comando da 1ª Frente. Essa decisão de Stalin mudou radicalmente o relacionamento de Rokossovskiy com Júkov, considerando-o culpado pela situação. "Por que essa indelicadeza?", telefonou o comunista de Varsóvia ao comunista russo. A partir daí acabava a amizade entre os dois. Para tentar reatar as suas relações com Rokossovskiy, Júkov após a guerra faria de tudo para encontrar a irmã de Rokossovskiy, que morava em Varsóvia e não o via há mais de 30 anos.

Rokossovskiy participou do Cerco a Berlim, mas foi Júkov que efetivamente tomou a cidade e recebeu a rendição alemã. No filme "A queda de Berlim" (Padenye Berlina), assistido por mais de 30 milhões de pessoas no mundo inteiro, Rokossovskiy, junto com Konyev, é exibido recebendo de Stalin os agradecimentos pela operação de cerco a Berlim. Júkov não é exibido na cena por que após a guerra caiu em desgraça com Stalin devido ao contrabando de espólios de guerra, sendo transferido para um distrito militar de menos importância e o comando das forças soviéticas na Alemanha Oriental. Júkov e Rokossovskiy se encontraram na primeira Parada da Vitória, organizada em junho de 1945, ambos encontram-se a cavalo, Rokossovskiy passa o comando da parada a G. Júkov.

Em 1949, com a formação do governo comunista da República Popular da Polônia, o presidente Boleslav Byerut, aliado de Stalin, pede ajuda a este para a formação de um exército da nova Polônia. Diversas cidades polonesas, incluindo Gdansk, reconheceram Rokossovskiy como seu cidadão de honra, Rokossovskiy seguia então para a Polônia, onde ocuparia o cargo de Ministro da Defesa da Polônia e ingressaria no Partido Comunista Polonês, tornando-se também Marechal da Polônia. Assim, Rokossovskiy tornava-se um militar de 3 forças armadas (Exército Imperial Russo, Exército Vermelho e Exército Polonês) e marechal de dois exércitos. 

Rokossovskiy como Marechal da Polônia
De 1949 a 1955, Rokossovskiy participaria da formação do novo Exército Polonês, organizado conforme os moldes soviéticos. Ele também integraria a presidência do Conselho de Ministros e o Politburo do PC Polonês. Em 1950, dois atentados contra a sua vida foram fracassados organizados por nacionalistas poloneses e por militares do Exército Polonês que serviram no Exército Nacional (Armiya Krayowa, o mesmo do papa João Paulo II) durante a IIGM. Em 1955, após anos sem ver o colega, Rokossovskiy se encontraria mais uma vez com Júkov, para participar da criação da aliança militar firmada pela União Soviética com as novas repúblicas populares e socialistas, surgia o Pacto de Varsóvia, após a recusa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de incluir em suas forças, como Estado participante, a União Soviética. 

O ano de 1956 seria um ano de novos problemas para Rokossovskiy, com a campanha da "desestalinização" de Nikita Khruschov, que ascendeu ao poder com a ajuda de G. Júkov após a morte de Stalin, o presidente Byerut foi removido do seu cargo acusado de ser "stalinista". O novo presidente Wladislaw Gomulka não gostava nenhum pouco de Rokossovskiy, a quem acusava de "stalinismo", o que levou a expulsão de Rokossovskiy de todas as suas funções e do Partido Comunista Polonês. Rokossovskiy, então, devido à perseguição política, voltou à União Soviética, deixando todos os seus pertences na Polônia para os seus funcionários.

De volta à União Soviética, foi colocado no posto de vice-ministro da defesa, responsável pela inspeção das forças armadas. Em 1962, Nikita Khruschov pediu a Rokossovskiy que escrevesse um artigo difamatório e caluniador sobre Iossif Stalin. O marechal soviético, como nos informa o marechal Golovanov, respondeu "Nikita Sergeyevich, o camarada Stalin para mim é um santo", e no banquete ele sequer falou com Hruschov. Essa afirmação valeu, no dia seguinte, a remoção de Rokossovskiy do posto de vice-ministro da defesa. O marechal comunista era contra a participação das forças armadas na política soviética.

Ao final de sua vida, Rokossovskiy passaria a escrever para um jornal militar. Ele escreveu suas memórias, "Soldatskiy dolg" (Dever do soldado). Internado com câncer em um hospital soviético, ele se encontraria novamente com o marechal Júkov, a quem pediria desculpas por suas ofensas. Ao final de sua vida, Rokossovskiy possuía medalhas não apenas da União Soviética, como também da Polônia, Reino Unido, França e dos Estados Unidos. Nas palavras de seu neto, Leonid Brejnyev, o novo premier soviético, chorou durante o velório do marechal Konstantin Rokossovskiy, um homem que apesar de todas as injustiças sofridas jamais traiu o seu país. Por essa razão, junto a comunistas da Federação Russa, com orgulho carreguei no Regimento Imortal de São Petersburgo, em 2017, o retrato do marechal Konstantin Rokossovskiy.



Fontes: 

Marshal kotoromu ne dali vzyat Berlina: http://www.aif.ru/society/history/marshal_kotoromu_ne_dali_vzyat_berlin_istoriya_konstantina_rokossovskogo
Kak marshaly Jukov i Rokossovskiy otnosilis k drug druga:
https://rg.ru/2016/12/01/kak-marshaly-zhukov-i-rokossovskij-otnosilis-drug-k-drugu.html