domingo, novembro 07, 2010

Publicado originalmente no Diário Vermelho (www.vermelho.org.br)

O Holodomor, novo avatar do anticomunismo "europeu"

Numa sociedade de classes a História é o resultado da luta de classes e não a efabulação feita em Hollywood e nas mídias dominadas pelos monopólios. Neste estudo, a historiadora Annie Lacroix-Riz fala-nos das campanhas sobre da “fome da Ucrânia, lançada em 1933 (…) quando os grandes imperialismos”, na sua intensa luta ideológica, sentem condições para a tentar impor.

A partir de novembro de 1917 sucederam-se sem descanso campanhas anti-bolcheviques tão violentas como variadas, mas a da “fome na Ucrânia”, lançada em 1933, voltou a aparecer com força nos últimos vinte anos. Desencadeia-se quando os grandes imperialismos, com a Alemanha e os Estados Unidos à cabeça, desejosos desde o século 19 de pilhar os imensos recursos da Ucrânia, se consideram em condições de o conseguir.

Por Annie Lacroix-Riz, para o Diario.Info

A conjuntura é favorável ao Reich em 1932-1933, quando o Sul da URSS (a Ucrânia e outras “terras negras”, o Norte do Cáucaso e do Cazaquistão) foi atingido por uma considerável baixa de colheitas e o conjunto da União por dificuldades de abastecimento que provocou o regresso a um racionamento severo. Uma grave “escassez”, principalmente durante a “soudure” (período entre duas colheitas), não especificamente ucraniana, segundo a correspondência diplomática francesa; uma “fome” ucraniana, segundo os relatos de 1933-1934 dos cônsules alemães e italianos, explorados pelos Estados ou por grupos dedicados à cisão da Ucrânia: a Alemanha, a Polônia, centro principal de agitação em Lwow e o Vaticano.

Esta escassez ou esta fome era resultante de fenômenos naturais e sociopolíticos: uma seca catastrófica sobreposta aos efeitos da retenção cada vez maior das entregas (abate de gado inclusive), a partir do fim dos anos vinte, feita pelos antigos koulaks (os camponeses mais ricos) rebeldes à coletivização. Esta fração, em luta aberta contra o regime soviético, constituía na Ucrânia uma das bases do apoio à “autonomia”, máscara semântica de cisão da região agrícola rainha das “terras negras”, para além de principal bacia industrial do país, em benefício do Reich. O apoio financeiro alemão, maciço antes de 1914, tinha-se intensificado durante a Primeira Guerra mundial, em que a Alemanha transformou a Ucrânia, assim como os países bálticos, na base económica, política e militar do desmantelamento do império russo. A República de Weimar, fiel ao programa de expansão do Kaiser, continuou a financiar “a autonomia” ucraniana. Os hitlerianos, logo que conquistaram o poder, divulgaram o seu plano de conquista da Ucrânia soviética e todos os autonomistas ucranianos (as profundezas policiais, diplomáticas e militares em convergência), entre 1933 e 1935, aliaram-se ao Reich que na altura era mais discreto quanto às suas pretensões sobre o resto da Ucrânia.

Com efeito a URSS não controlava na altura senão a Ucrânia oriental (Kiev-Kharkov), que voltara a ser soviética a partir de 1920, depois da cisão efetuada durante a guerra civil estrangeira: tinham-lhe arrancado grandes porções da Ucrânia, ou não lhe tinham sido atribuídas, apesar da afinidade étnica das suas populações, das promessas francesas em 1914 de entregar os despojos do império austro-húngaro à Rússia czarista aliada e da fixação em 1919 da “linha Curzon”. O imperialismo francês, um dos dois maestros (com Londres) da guerra estrangeira contra os soviéticos, e depois o “cordão sanitário” que se seguiu ao fiasco dessa guerra, ofereceu à Romênia, em 1918, a Bessarábia (Moldávia, capital Kichinev), antiga porção do império russo, e a Bucovina; a Tchecoslováquia recebeu diretamente a Rutênia subcarpática; a Polônia de Pilsudski, em 1920-1921, a Ucrânia ocidental ou Galícia oriental, outrora austríaca – capital Lemberg (em alemão), Lvov (em russo), Lwow (em polaco), Lviv (em ucraniano) – com o apoio do corpo expedicionário francês dirigido por Weygand. E isto quando, em 1919, a “linha Curzon” (nome do secretário do Foreign Office) tinha considerado esse território “etnicamente” russo: a “Rússia” devia recebê-lo dos seus aliados quando em conjunto com os Brancos tivesse corrido com os bolcheviques, o que não veio a acontecer.

Este distinguo geográfico é decisivo, porque Lwow tornou-se – e Lviv mantém-se – um centro importante do alarido alemão, polaco e do Vaticano sobre a “fome na Ucrânia, que começou no verão de 1933, ou seja, depois de uma excelente colheita soviética ter posto fim à crise dos abastecimentos. Se é que houve fome em 1932-1933, que atingiu o auge durante a “soudure” (entre as duas colheitas), o mês de julho de 1933 assinalou o fim dela. A campanha foi alargada a todo o campo anti-soviético, Estados-Unidos inclusive, onde a imprensa germanófila do grupo Hearst se apoderou dela. A fome não tinha sido “genocidária”, como reconhecem todos os historiadores anglo-saxões sérios, tais como R.W. Davies e S. Wheatcroft, não traduzidos em francês, ao contrário de Robert Conquest, agente dos serviços secretos britânicos que se tornou um prestigiado “investigador” de Harvard, ídolo da “faminologia” francesa a partir de 1995 [1].

A campanha original nem sequer tinha esgrimido o “genocídio”: Berlim, Varsóvia, o Vaticano, etc. maldiziam Stálin, os soviéticos ou os judeo-bolcheviques, estigmatizando a sua ferocidade ou a sua “organização” da fome e descreviam uma Ucrânia empurrada pela fome para o canibalismo. Quanto aos franceses, atribuíam aos planos secessionistas do trio esse alarido lançado enquanto que o Reich prometia ao ditador polaco Pilsudski, se este restituísse Dantzig e o seu corredor, que lhe entregava de bandeja a Ucrânia soviética que em breve iriam conquistar juntos: François-Poncet, delegado do Comitê des Forges e embaixador em Berlim, troçava dos soluços quotidianos debitados pela imprensa do Reich sobre o mártir ucraniano, truque grosseiro com intenções externas (anexar a Ucrânia) e internas (“difamar os resultados do regime marxista” [2].

A abundante correspondência militar e diplomática da época contraria a tese da ingenuidade dos “anjinhos” pró-soviéticos, cegos, durante a sua viagem de setembro de 1933 à Ucrânia, às mentiras e mistérios de Moscou, como Édouard Herriot: ou seja, a tese defendida em 1994 pelo demógrafo Alain Blum que iniciou em França o número dos “6 milhões de mortos”. Este símbolo concorrencial a que os ucranianos anti-semitas se agarraram tanto – era preciso pelo menos equiparar-se aos judeus, antes de passarem a ser muito mais, 7, 9, 10, 12, até 17 milhões pelo que conheço (para um efetivo total duma trintena de milhões de ucranianos soviéticos) – foi adoptado em Le Livre noir du Communisme em 1997 por Nicolas Werth. Mesmo assim este refutava na altura a tese “genocidária” que agora defende desde o seu empenhamento em “2000 num projecto de publicação de documentos sobre o Goulag (6 volumes, sob a égide da fundação Hoover e dos arquivos de estado da Federação da Rússia)” [3]. Número duplamente inaceitável: 1º Alain Blum deduziu-o de estimativas demográficas, visto que a URSS não fez nenhum recenseamento entre 1926 e 1939: ora, entre essas datas, no enquadramento de uma explosão industrial dedicada, desde o início da grande crise capitalista, à defesa contra a ameaça alemã, ocorreram gigantescas movimentações inter-regionais da população, que afetaram especialmente a Ucrânia agrícola coletivizada. O fraco crescimento da população ucraniana entre os dois recenseamentos não autoriza portanto a equivalência: déficit demográfico igual a mortos pela fome; 2º o modo de cálculo da estimativa é absurdo: Alain Blum baseou-se em especialistas de estatística russos que em 1990 reagruparam o decênio de 1930 de perdas presumidas – 6 milhões – num único ano de 1933 [4].

O número fatídico foi retomado por “sovietólogos” franceses ligados, tal como Stéphane Courtois, ou não ligados, aos defensores da “Ucrânia independente” laranja. Absurdo supremo, na Ucrânia oriental teriam pois morrido em poucos meses tantas vítimas – duas ou três vezes mais – como os judeus que foram exterminados, de 1939 e sobretudo de 1942 a 1944, num território que se estende da França aos Urais; e isso sem deixar quaisquer vestígios visíveis, fotos ou escritos deixados pelo genocídio nazi.

É neste contexto que se agitaram em França grupos “ucranianos”, como a associação “Ucrânia 33” que albergou o arcebispo de Lyon, e cujo presidente honorário era Monsenhor Decourtay. Depende da autoridade do Congresso ucraniano mundial, situado em Washington e presidido por Askold S. Lozynskyj, de quem o New York Times publicou a seguinte mensagem no dia a seguir a 18 de Julho de 2002: “quando os soviéticos foram obrigados a recuar perante a invasão dos nazis em Junho de 1941, massacraram os seus prisioneiros […] da Ucrânia ocidental presos e internados às dezenas de milhares em 1939 […]. Isso foi executado com a ajuda dos comunistas locais, sobretudo os etnicamente judeus. Esse massacre infelizmente não constituiu uma aberração dos atos soviéticos na Ucrânia. Em 1032-33 na Ucrânia oriental, os soviéticos já tinham assassinado cerca de 7 milhões de homens, de mulheres e de crianças ucranianas através de um genocídio estrategicamente planificado de fome artificial. O homem escolhido por Josif Stálin para perpetrar este crime foi um judeu, Lazar Kaganovitch.

O conhecido historiador britânico Norman Davies chegou à conclusão que nenhuma nação tinha tido tantos mortos como a ucraniana. O que foi em grande parte resultado dos atos dos comunistas e dos nazis. Os russos e os alemães eram uns bárbaros. Mas os judeus eram os piores. Traíram os seus vizinhos e fizeram-no com imenso zelo!” [5].

Estes anti-semitas frenéticos mostraram-se mais discretos em França, onde adulavam associações judaicas e a Liga dos Direitos do Homem em “colóquios internacionais” e em debates sobre “os genocidas” (judeu, armênio, ucraniano) [6], Exigiram em 2005-2006 a minha expulsão da universidade ao presidente de Paris 7, depois ao presidente da República Jacques Chirac, rotulando-me de “negacionismo” por ter dirigido pela Internet aos meus alunos um conjunto crítico de arquivos sobre os contos da carochinha da campanha germano-polaco-vaticana de 1933-1935. Acima de tudo não me perdoavam eu ter recordado em 1996 o papel, na Ucrânia ocupada pela Wehrmacht, da Igreja uniata da Galícia oriental submetida ao Vaticano e confiada ao bispo (de Lwow), Monsenhor Szepticky, que abençoou as matanças da divisão ucraniana SS Galicia saída dos grupos do uniata nazi Stefan Bandera [7]. Acrescentemos a esses dossiês comprometedores para os arautos do “Holodomor” que eu me atrevo a afirmar que a diabolização do comunismo e da URSS não resulta da análise histórica mas de campanhas ideológicas, que, não contente em ser marxista, sou judia e que um dos meus avós foi morto em Auschwitz – fato que tornei público em 1999, perante uma outra enorme campanha [8], e que todos esses excitados conheciam [9] elementos de natureza a mobilizá-los.

Falhou a realização do sonho em conseguir até mesmo o apoio dos judeus de França para uma campanha contra uma “judia-bolchevique” mascarada de “negacionista”! A perseguição, contra a qual se levantaram o Snesup e o PRCF, que lançou em Julho de 2005 uma eficaz petição apoiada pela (única) Libré Pensée [10], abrandou depois de os “ucranianos” terem, a 25 de Maio de 2006, sob a protecção da polícia do ministro do Interior, N. Sarkozy, prestado homenagem no Arco do Triunfo ao grande progromista Petlioura. Emigrado em França depois dos seus crimes de 1919-1920, fora abatido em 1926 pelo judeu russo emigrado Schwartzbard, e a defesa deste último gerou a Liga contra o anti-semitismo (LICA) que em 1979 passou a LICRA. Esta denunciou por fim em 26 de Maio de 2006, através do seu presidente Patrick Gaubert, esses anti-semitas de choque – depois de vários avisos frustrados de cautela em relação à pretensa “negacionista” Lacroix-Riz. A algazarra dos grupúsculos “ucranianos” irá recomeçar aqui, estimulada pelo Parlamento europeu?

A Ucrânia ocidental laranja, tutora (oficial) de toda a Ucrânia, ocupa de novo o centro de uma campanha que, desde a era Reagan – fase crucial do desmantelamento da Rússia posto em marcha a partir de 1945 pelos Estados Unidos – deve tudo ou quase tudo a Washington, tal como a precedente devia tudo ao dinheiro alemão. Os seus paladinos amontoam milhões de mortos duma Ucrânia oriental cujos cidadãos, embora dedicados ao primeiro chefe, nunca se juntaram à matilha. A CIA, como retaliação, armou-se em chefe de orquestra, apoiada 1º em ucranianos “anti-semitas e anti-bolcheviques, colaboracionistas importantes durante a ocupação alemã, emigrados quando a Wehrmacht foi expulsa da Ucrânia.

Fonte: ODiario.Info

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