Os comunistas sempre se orgulharam de ter o seu meio vacinado contra o racismo. A observação dos fatos e sua análise crítica sob uma perspectiva marxista pode entretanto sugerir que há algo de pode no universo de esquerda, que vai além do comunista. Poderia alguém de esquerda sucumbir a uma manifestação de racismo, ainda que do tipo mais sutil? Há alguns dias o camarada Cristiano prestou um grande serviço à esquerda brasileira ao traduzir o texto "Anticomunismo de esquerda, a cortada cruel", do professor Michael Parenti, dos Estados Unidos. O camarada Thelman Madeira também denunciou outro cavalo de Troia da esquerda contemporânea, o "marxismo ocidental". Ambos os artigos nos dão uma mostra de que assim como os sindicatos, organização classista de luta, não estão livres de pelegos, a esquerda não está livre de elementos daninhos. Como bem coloca o intelectual americano, muitos anticomunistas de esquerda não podiam dizer uma só palavra positiva sobre qualquer país socialista, exceto talvez Cuba, e esses, como coloca o professor ianque, nem mesmo podem ter ouvidos tolerantes ou mesmo corteses para quem o fizesse.
Existe uma estranha tendência de parte da esquerda brasileira. Essa mesma esquerda que ovaciona quando os trabalhadores da Venezuela chamavam a Chávez de "comandante", quando os cubanos gritam em uníssono "Viva Fidel", fica horrorizada quando os russos fazem o mesmo dizem "Slava Leninu!" e "Slava Stalinu!". A mesma esquerda que ovaciona as milícias populares bolivarianas fica horrorizada ao ouvir falar da Stasi alemã-oriental ou do NKVD(sigla para Comissariado Popular dos Assuntos Internos). É como se essa esquerda tivesse uma espécie de "fobia de capotes", normalmente usada pelos camaradas operários e camponeses guerreiros das frias terras nórdicas. Essa fobia demanda uma explicação menos política e mais psicológica se tomarmos em conta esses fatores. Alguém poderia dizer que ela é explicada pela "aparência sisuda e demasiado séria dos líderes soviéticos", mas nem mesmo o sorriso dos Kim, da Coréia socialista, talvez os únicos comunistas do período da guerra fria(estendendo-se a Kim Jong Un) conhecidos por aparecerem nas fotos sempre com uma expressão alegre e jovial, diferente da expressão leonina dos alemães Marx e Engels, ou dos soviéticos Lenin e Stalin. Na verdade, essa parte da esquerda aplaude Fidel, Che, Ortega, Sandino, Alliende e Chávez e despreza Lenin, Stalin, Mao, Enver e Kim
Mas o que motiva essa esquerda caviar a ter tanto desprezo por líderes que melhor representam as ansiedades populares e comunistas do povo trabalhador das partes mais longínquas do nosso planeta? Antes da foice e do martelo se consagrarem com símbolos comunistas, seu símbolo era a estrela vermelha. Vermelha por que representa a cor da luta, do sangue derramado do operário, do camponês trabalhador. A Revolução Francesa usou o vermelho, mesmo a Americana o fez de forma discreta, o manto de Jesus era escarlate, um tom intenso de vermelho. A estrela comunista tem cinco braços, que representam os cinco continentes(não existe classe operária na Antártida), e a palavra de ordem do sábio alemão Karl Marx era "trabalhadores de todos os países, uni-vos". Ele não falou "trabalhadores europeus, uni-vos", nem mesmo disse "trabalhadores brancos", "trabalhadores latinos" ou "trabalhadores morenos", "trabalhadores ruivos"... ele falou em trabalhadores de todos os países, sejam eles da Polônia, da Itália, da Alemanha, do Brasil, dos Estados Unidos ou da África do Sul.
De fato, teóricos como Lenin e Stalin ressaltaram a importância da questão nacional e da luta anticolonial, mas nunca misturando alhos com bugalhos. O país que estes ajudaram a erguer foi fundamental no processo de emancipação nacional de várias colônias africanas, asiáticas e americanas. O que teria sido a Revolução Cubana sem a ajuda soviética? Os vietnamitas e cubanos reconhecem o papel fundamental da União Soviética, nórdica, dos homens de sobretudos e capotes, na manutenção do poder popular nesses dois países. Será que a medicina cubana seria o que é hoje sem a ajuda soviética, contando apenas com a ajuda americana, por exemplo? Basta ver como está a medicina dos amigos dos Estados Unidos, o SUS por exemplo... Se a Alemanha nazista(o III Reich) visava a aniquilação dos negros em nome de uma "raça superior", a Alemanha Socialista(isto é, a República Democrática Alemã) ajudou os negros da África em sua luta pela independência, lutas essas que, como reconhecidas pelo próprio Mandela, foram fundamentais para acelerar a degeneração do regime do Apartheid. Foram os comunistas alemães que fizeram intensas campanhas para que famílias socialistas recebessem refugiados da guerra na África, num espírito de solidariedade e internacionalismo proletário. Esses oportunistas ignoram que a Rússia, a China, a Coreia do Norte, a Albânia e outros Estados de orientação marxista não tinham um "Estado padrinho"(como muitos cubanos respeitosamente se referem à URSS), quem iria garantir a segurança da Rússia socialista como essa garantiu com seus mísseis nucleares a segurança de Cuba? A Grã-Bretanha imperialista? Essas potências socialistas jamais estiveram num "paraíso" ou "bonança", mas sempre no meio de uma tempestade e ignorar seu contexto geográfico, o contexto de sua segurança, é esquerdismo inconsequente e infantil.
Mas a despeito de tudo isso, os oportunistas de esquerda, vorazes para ler, mas incapazes de entender a mensagem comunista, parecem enxergar na ideia vermelha uma espécie de "nacionalismo de esquerda", e a partir do momento em que esse nacionalismo adquire proporções etnocêntricas, descartando tudo o que não vem do próprio umbigo latino, ele se caracteriza como um etnocentrismo, um "racismo de esquerda", no sentido etnocêntrico que essa palavra pode ter. E é esse tipo de confusão mental que longe de unificar a classe trabalhadora mundial, apenas trata de segregá-la em nome de uma luta bairrista, regionalista. É por isso que vemos supostas "comunistas" aplaudirem Fidel e Che e atacarem Kim Jong e Kadaffi, capitulando ante o pensamento midiático hegemônico. É por isso que vemos supostos comunistas vestirem uma camisa de Che mas rejeitarem uma de Stalin, a despeito do primeiro ter sido confessamente aluno do segundo. É por isso também que vemos até "comunistas" envergonhando os trabalhadores ao chamar os países ex-marxistas de totalitários.
Esse etnocentrismo latino supostamente de esquerda, mas em realidade descaradamente de direita, encontra seu par no que hoje se conhece por "eurocomunismo", e mesmo tem raízes mais profundas do que se imagina, estando intimamente associado ao "marxismo ocidental" eurocêntrico, que é a rejeição do marxismo enquanto teoria revolucionária mundial, reduzindo a doutrina combativa do sábio alemão a um elitismo local, a um mero passatempo acadêmico.
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