terça-feira, março 08, 2011

8 de março

As mulheres na Era Stalin
Por Anna Louise Strong

Este texto foi originalmente publicado há 10 anos atrás, no antigo domínio www.apaginavermelha.hpg.com.br, traduzido por Cristiano Alves, quando era fácil encontrar domínios gratuitos para páginas, o que veio a ser ofuscado pela popularização dos blogs e pelo declínio da gratuidade da hpg. Tendo sido publicado também em www.anovademocracia.com.br, a quem é devida a gratidão pela manutenção da tradução. Não fosse isso, o texto em língua portuguesa teria sido praticamente perdido na rede mundial, sendo republicado aqui com ligeiras reedições para facilitar o entendimento.

O depoimento da jornalista Anna Louise Strong, que morou 20 anos na União Soviética e dezenas de anos na República Popular da China, a transforma numa "contraparte" feminina do famoso jornalista John Reed, que testemunhou a revolução, ao passo que Anna testemunhou o desenvolvimento dessa revolução. Um de seus trabalhos mais importantes foi sem dúvidas uma entrevista ao líder revolucionário Mao Tsé Tung, em 1946.

A reportagem a seguir é o testemunho da luta dos bolcheviques pela liberdade na antiga União Soviética, libertando as mulheres da Ásia Central das garras do obscurantismo fundamentalista que oprimia implacavelmente as mulheres na Ásia Central, na extinta República Popular Soviética de Buhara, uma república em estado de transição para o socialismo, onde ainda existia a propriedade privada, garantida pela constituição local.

Cidade de Buhara, no Uzbequistão
A mudança no status das mulheres constituiu-se numa das transformações sociais mais importantes ocorridas no interior da nova sociedade em toda a URSS. A revolução dera às mulheres uma igualdade jurídica, porque, principalmente, havia produzido grandes e decisivas conquistas políticas. A industrialização em bases revolucionárias dotou a economia do pagamento igualitário para igual trabalho.

Ainda assim, em cada aldeia, as mulheres tinham que lutar contra hábitos seculares. Notícias vindas de uma aldeia da Sibéria, por exemplo, onde — depois de implantadas as granjas coletivas, as mulheres passaram a ter uma renda independente —, as esposas se decidiram por uma greve dirigida contra as surras que levavam dos maridos e, no prazo de uma única semana, puseram fim à tradição consagrada ao longo dos séculos de divisão social do trabalho. "Os homens todos zombaram da primeira mulher que nós elegemos no soviete da nossa aldeia", me falou uma presidenta da aldeia, "mas na próxima eleição nós elegeremos seis mulheres e seremos nós quem riremos". Conheci vinte destas presidentas de aldeias, em 1928, em um trem na Sibéria, rumo ao Congresso das Mulheres em Moscou. Para a maioria delas, aquela tinha sido a primeira viagem de trem e apenas uma estivera fora da Sibéria alguma vez. Elas tinham sido convidadas para ir a Moscou com o intuito de "aconselhar o governo" sobre as exigências das mulheres; para tanto, seus municípios as haviam escolhido por votação para representá-los. 

"O que a Revolução de Outubro deu às trabalhadoras e camponesas" Na foto verifica-se bibliotecas, clubes de recreação, creches para os filhos das operárias, escolas e universidades, antes lugares impensáveis para a maioria das mulheres trabalhadoras, restritas à escravidão do trabalho doméstico
A mais difícil região onde as mulheres tiveram que lutar pela sua liberdade foi a Ásia Central. Ali, as mulheres eram tratadas como bens semoventes, vendidas em matrimônio. Mesmo assim, quando muito jovens, e nunca, depois disso, eram vistas em público sem o horroroso paranja — um longo véu preto feito com crina de cavalo tecida, que cobria toda a face, dificultando a respiração e a visão das mulheres. A tradição conferia aos maridos o direito de matar as esposas caso retirassem o véu e os mulás, sacerdotes muçulmanos, justificavam tal prática através da religião. As russas trouxeram a primeira mensagem de liberdade: elas montaram clínicas de bem-estar para as crianças e, através delas, as mulheres nativas retiraram o véu em suas presenças.
Exemplar da paranja
Ali, foram discutidas as liberdades a serem conquistadas pelas mulheres e os males advindos do uso do véu. O Partido Comunista pressionou seus filiados a permitir que suas esposas retirassem os véus se assim desejassem.

Quando visitei Tashkent pela primeira vez, em 1928, uma conferência de mulheres comunistas estava denunciando: "Nossas camaradas estão sendo estupradas, torturadas e assassinadas. Por isso, ainda este ano, teremos que acabar com essa horrorosa obrigação do uso de véus; este deve ser um ano histórico."

Enquanto isso, incidentes chocantes deram razão a esta resolução. Houve o caso da garota de uma escola de Tashkent, que recebeu férias para que pudesse participar de agitações pelos direitos das mulheres na aldeia de sua casa. Como resposta, seu corpo desmembrado foi mandado de volta à escola em uma carroça, onde se lia: Isto é para a liberdade de suas mulheres.

Uma outra mulher havia recusado as atenções de um proprietário de terras e casara-se com um camponês comunista. Em conseqüência, um grupo de dezoito homens, incitados pelo proprietário, a estuprou no oitavo mês de gravidez e lançou seu corpo em um rio. Poemas foram escritos por mulheres para expressar sua valentia e o suplício a que fora submetida. Quando Zulfia Khan, uma lutadora da liberdade, foi queimada viva pelos mulás, as mulheres de sua aldeia escreveram um lamento: "Ó mulher, o mundo não esquecerá da sua luta pela liberdade! Sua chama não os deixou pensar que te consumiu. A chama na qual você queimou é uma tocha em nossas mãos."

A fortaleza da opressão ortodoxa era Santa Bokhara. Ali, um dramático desvelamento vinha se organizando. Foi difundida a notícia de que "algo espetacular" aconteceria no dia 8 de março, o Dia Internacional das Mulheres. Celebraram-se reuniões massivas de mulheres em muitas partes da cidade naquele dia, e as oradoras urgiram que todas as mulheres se "desvelassem de uma só vez". As mulheres marcharam, então, à plataforma, lançaram seus véus ante suas companheiras e realizaram uma manifestação pelas ruas. Tribunas foram erguidas, de onde os líderes do governo saudavam as mulheres. Outras companheiras mais, se uniram à parada, saindo diretamente de suas casas e abandonando seus véus ao passar nas tribunas. Aquele ato quebrou a tradição do véu em Santa Bokhara. Muitas mulheres, claro, vestiram seus véus novamente antes de encarar seus maridos enfurecidos. Mas o véu aparecia cada vez menos, desde então. Ao tomar conhecimento deste fato, o Poder Soviético usou várias armas para libertar as mulheres, como a educação, a propaganda e a lei em todas as partes. Grandes julgamentos públicos condenaram duramente os maridos que assassinaram suas esposas. Com a pressão das novas exigências, juízes confirmaram a pena de morte para os praticantes do que o velho costume não considerava como crime.

A arma mais importante para livrar as mulheres era, como na própria Rússia, a industrialização. Visitei um novo moinho de seda em Velha Bokhara. O diretor desse empreendimento, era um homem pálido, exausto, trabalhando sem sono para construir uma nova indústria. Disse não esperar que o moinho fosse lucrativo por muito tempo. "Nós estamos treinando as aldeãs para ter um novo pessoal nos futuros moinhos de seda do Turcomenistão. Nosso moinho é a força conscientemente aplicada que quebrou o véu das mulheres; nós exigimos que as mulheres se desvelassem no moinho". Jovens trabalhadoras do setor têxtil escreveram canções para o novo significado da vida, quando trocaram o véu pelo lenço de cabeça russo, o kerchief. "Quando tomei a estrada da fábrica, eu lá encontrei um novo kerchief, um kerchief vermelho, um kerchief de seda, comprado com o trabalho das minhas próprias mãos! O rugido da fábrica está em mim. Me dá o ritmo, me dá a energia".

Alguém pode ler isto quase sem recordar, mas em contraste com "A Canção da Camisa", de Thomas Hood, expressou como eram as fábricas inglesas de hoje: "Com dedos cansando e trabalhando/com as pálpebras pesadas e vermelhas, uma mulher sentou, vestida de trapos/manipulando a agulha e a linha. Pondo, ponto a ponto, em pobreza, fome e sujeira,/ e ainda, com uma voz de doloroso cansaço/ela cantou a canção da camisa". Na Inglaterra capitalista, a fábrica apareceu como uma arma de exploração para lucro. Na URSS, ela era não apenas um meio de riqueza coletiva, mas, também, uma ferramenta conscientemente usada para quebrar as algemas do passado. 

Mulher uzbeque em traje típico

 


O hino da antiga República Socialista Soviética do Uzbequistão iniciava-se com "Assalom, rus halky"(Saudações, irmão russo), agradecendo-o por orientá-lo na luta pela liberdade e a democracia.

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