sábado, outubro 08, 2011

LIVROS

Auto-ajuda: uma farsa
Por Cristiano Alves

Livros que prometem soluções simples para problemas complexos omitem a realidade da vida e o desespero das massas sob o sistema capitalista, promovendo o individualismo e até machismo, auto-ajudando os bolsos de impostores

Promoção do machismo em livro de "auto-ajuda"

Eles são best-sellers, venderam "milhões em todo o mundo", são um "sucesso de vendas" e provavelmente já foram ou serão a leitura da sua colega de vôo ou mesmo de transporte rodoviário. O gênero "auto-ajuda" tem encontrado nas livrarias uma espantosa expansão e quase sempre estão nas vitrines e principais estantes das livrarias, trazendo surpreendentes fórmulas de "como ter sucesso", "como ser feliz no amor", "como tornar-se rico", "como ser o melhor na empresa", fórmulas aparentemente simples para problemas complexos. Mas o que de fato está por trás de todo esse marketing? Será que o leitor já parou para pensar a respeito desse tipo de "literatura"?

A Caixa de Pandora dos livros de auto-ajuda foi aberta com o lançamento do "best-seller" "Como fazer amigos e influenciar pessoas", de Dale Carnegie. Para entender o contexto dessa obra, é importante lembrar que nos anos 30, quando foi lançada, o capitalismo americano passava por um ótimo momento para um seleto grupo de pessoas, dentre os quais os charlatães. O médico John Breckley, por exemplo, movimentou a economia local e obteve enormes fortunas com o anúncio da "cura para a preguiça e a impotência" através de técnicas nada científicas como o "transplante de glândula de cabra". Fórmulas milagrosas eram anunciadas em todos os campos, fosse o da medicina ou da literatura, a busca pelo lucro levava a caminhos absurdos como a luta na lama e outros meios típicos do mundo capitalista. O livro de Dale Carnegie, considerado por muitos o primeiro manual de "regras para o sucessso" escrito no século XX é amontoado de regras para gerar pessoas mais corteses, porém com alguma coerência. Seus ensinamentos podem ser resumidos a "seja legal, cortez, e você fará muitos amigos e influenciará muitas pessoas", simples assim, demonstrando bem como a indústria da auto-ajuda vive de superficialidades e obviedades. Soma-se a essa superficialidade um caráter positivista, onde o desprezo pela ciência, pelo pensamento racional e pela religião são notáveis. O positivismo é um pensamento que consegue a incrível proeza de reunir conservadores católicos, marxistas(de todas as correntes) e liberais em seu combate. Quando se trata de livros de auto-ajuda, não é muito diferente, seus ensinamentos ignoram o método científico ao trazer vaga pesquisa, teorias nunca comprovadas e apelos a religiões ou filosofias asiáticas, ou até mesmo a distorção destas. Um exemplo disso é o livro "A cabala e a arte de ser feliz". Cabala, para quem não conhece, é um sistema judaico de magia e numerologia que traz um sistema matemático tão complexo que envolve até o estudo de línguas mortas, não se trata de um "sistema moral". Todo esse sistema hermético, entretanto, é transformado por um escritor brasileiro na "arte de ser feliz". Essa felicidade, assim como o "caminho do sucesso na carreira" pode ser alcançado, segundo a "literatura" de auto-ajuda através de ações como "repetir em frente ao espelho uma fraseologia positiva", "abraçar o seu colega de trabalho" ou "dizer ao patrão com um grande sorriso que gosta de seu trabalho", não importa se esse patrão não lhe paga o FGTS ou simplesmente se assina a sua carteira de trabalho, "voltar com um grande sorriso no rosto é a solução".

Como bem denunciado no jornal "A Nova Democracia"1, toda essa literatice teve início nos EUA, com apoio de enorme aparato publicitário na qual escritores de auto-ajuda ganharam programas de rádio, colunas em jornais, convites para cursos, palestras e treinamentos empresariais, nas neocolônias do Império, o impacto desta doutrinação foi ainda mais forte, dada a enorme publicidade, com vendas de "milhões de livros", ao passo que os melhores autores nacionais mal conseguiam recursos para vender 100 mil cópias. Nomes como o imortal da literatura Gabriel Garcia Marquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura ou mesmo o brasileiro Jorge Amado, vencedor do Prêmio Stalin da Paz e do Prêmio Latinidade em Paris, ambos autores de romances e crônicas que captam e reproduzem os sentimentos do povo em excelentes trabalhos de dramaturgia, com um estilo peculiar e uma reflexão filosófica a respeito são facilmente passados por nomes como Paulo Coelho que, segundo reportagem do Fantástico sobre sua viagem à Rússia, é o autor mais vendido daquele país, mais até mesmo que imortais como Dostoyevskiy, Turgenyev ou Tolstoy, todos eles donos de um estilo pecular, tendo o primeiro livros dotados de intensa profundidade filosófica e psicológica, verdadeiros diamantes da literatura. Isso, graças a um aparato publicitário interessado na divulgação de valores ora positivistas, ora promovendo o culto do indivualismo, para os quais os problemas da humanidade não estão em sistemas econômicos que promovem a competição desleal baseada no lucro incessante a qualquer custo, mas no "simples fato" do indivíduo "não ter um sorriso sempre para os seus colegas de trabalho para o carteiro". Uma das medidas práticas de auto-ajuda, falando em termos específicos, encontra-se no livro "O diário de um mago", de Paulo Coelho, onde este propõe um "exercício da crueldade" que consiste em cravar a unha do polegar na raiz da unha do dedo sempre que pensamentos negativos vierem à cabeça do "orientado", pois assim, "sentimentos negativos estariam refletidos no campo físico", e assim iriam embora. Simples não? Este autor, cujas obras são frequentemente referidas pelos críticos como superficiais e cheias de erros gramaticais de português, nisso incluso redundâncias, tem grande espaço nas organizações Globo e encontros entre empresários brasileiros, o que dá indícios de um vínculo com os exploradores do povo trabalhador.

Não são poucos os críticos do "auto-ajudismo", psicólogos apontam-no como uma das causas de redução de pacientes em escritórios de psicologia, segundo Francine Passeti2, psicóloga, há uma confusão constante entre "auto-ajuda" e "psicologia", levando determinadas livrarias a vender estes dois títulos na mesma seção. Para ela, ao passo que o primeiro aponta "fórmulas mágicas" para a felicidade, desprovidas de qualquer adaptação ou reflexão, para a psicologia não há "fórmulas mágicas e universais". O analista de comportamento, formado em psicologia, Alessandro Vieira dos Reis, satiriza e desmascara vários livros de psicologia em seu blog "Bestseller da Vez"3, porém muito mais do que apenas artigos ou blogs, Francisco Rudiger, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, analisou a fundo o tema, tendo escrito em 1995 o livro "Literatura de auto-ajuda e individualismo". Nele, o professor alega que é auto-ajuda chamada de "literatura" apenas por se tratar de livros e poder ser, assim, lido, embora seja característico por não ter significado literário, texto pobre, prometer a "revelação de segredos" e ainda por cima ser escrito não por escritores, mas meros "gurus modernos", são livros que por um lado pregam a aceitação da ordem imperialista tal como ela é. Críticas a esse subgênero literário não são recentes e nem poucas, encontradas tanto em jornais como em filmes como "In and out", onde há uma sátira ao gênero na ena em que uma fita k7 ensina o protagonista sobre as "regras de como ser um verdadeiro macho", até mesmo em desenhos animados populares como "Tom & Jerry" e "Pica-Pau" há críticas diretas ou indiretas a este tipo de livro, onde o personagem segue meticulosamente um manual de "como fazer isso" e acaba se dando mal, então rasgando enfurecidamente o livro ou quebrando o radinho que dita seu comportamento.


Um aspecto perigoso da auto-ajuda é o seu estelionato intelectual, onde teorias científicas são corrompidas pelo autor, sendo apresentada em parte ou de forma superficial, como forma de legitimar a "veracidade de sua tese", mas levando a conclusões completamente diferentes, por vezes em meio a aforismas. Autores como Augusto Cury, que é pós-gradudo em psicologia psicologia social, alegam ter se inspirado em Freud, Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, Wallon, Winnicot, dentre outros que tem pontos de vista completamente divergentes, fazendo uma salada que apenas traz indigestão. Este autor orgulha-se de sua teoria sobre a "inteligência multifocal" jamais ter sido aceita em qualquer universidade séria como tese de mestrado. Livros como esse, que são uma mera cópia mal feita de outro "autoajudólogo", Daniel Goldman, são "sucessos de venda" em livrarias, demonstrando bem o potencial empreendedor do autor na indústria autoajudóloga, tão valorizada pela economia de mercado, que segundo Leonardo Simmer, dono da editora Multifoco, as grandes editoras não publicam segundo o valor literário de uma obra ou estilo adotado, mas tão somente segundo critérios mercadológicos como "quem é o autor?", "qual o seu potencial de vendas?", "qual o potencial de venda do tema?". Um outro mago da empulhação é Roberto Shinyashiki, também psicólogo, pretenso especialista em "gente nos seus diversos papéis", sem qualquer certificado que ateste essa misteriosa especialidade na psicologia. Livros como "O sucesso é ser feliz", com fotos de pessoas se abraçando ou fórmulas mágicas como "coma um morango a cada dia", não contempladas por qualquer teoria científica ou mesmo experiência empírica, são sucessos de vendas onde o leitor gasta seu dinheiro com superficialidades(mais vale a pena olhar os álbuns dos seus amigos do Facebook, que sai de graça). Também não é raro encontrar livros sobre "Programação Neurolinguística" que distorce totalmente o sentido desta técnica, ou ainda livros que, embora não sejam de auto ajuda e tenham resultados concretos, são pervertidos em versões mercadológicas como o clássico chinês "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, que já existe "para mulheres", "para empresários", "para executivos", "para concursos"(embora seu autor tenha excelentes livros com questões de concursos), "para o sucesso", etc, etc. Será que as editoras julgam o leitor completamente incapaz de ler o original e adotar os conselhos do sábio e militar chinês para a sua vida pessoal? Um processo similar acontece com outro livro oriental, só que da Índia, o Kama Sutra, que existe em versão para "gays e lésbicas", mesmo esse último sendo perfeitamente aplicável a casais tradicionais. Não surpreenderia encontrar algum dia o "Kama sutra para empresários: A arte de fuder com a concorrência".

O gênero auto-ajuda nada mais é do que o um dos tentáculos ideológicos de um sistema que promove uma ditadura do comportamento, uma doutrinação que esmaga a liberdade do indivíduo e torna pior a sua vida em sociedade, uma vez que contribui não para uma sociedade voltada para o pensamento científico, mas para idéias positivistas, metafísicas ou individualistas, para a aceitação da desordem auto-intitulada ordem estabelecida, assim como o emburrecimento da população e destruição de sua capacidade crítica. Não é raro encontrar neste universo revistas de promoção de comportamentos decadentes que "ensinam" até mesmo "como deve ser beijado o namorado" ou como "deitar-se com duas mulheres", bem como livros que promovem inclusive o machismo, como como "Meninas normais casam... Meninas iradas investem na relação", que traz na capa uma garota que tem um colar com um cifrão que conta o dinheiro na mão ao lado de um homem apaixonado e rico, com uma roupa elegante e um anel de brilhantes na mão, deixando clara a mensagem de que a mulher deve "tirar vantagens econômicas da relação", ou ainda livros como "O bom partido", livros que segundo A. V. dos Reis passam uma mensagem de que a mulher deve ser "esperta e se casar com homens ricos ou com certas aptidões, a fim de não ter problemas materiais".

A auto-ajuda é leitura desaconselhada, tanto por leigos, quanto pelo meio acadêmico, em razão de sua superficialidade que promete "fórmulas mágicas", simplismos que segundo o filósofo alemão Friedrich Engels4 são chamados "bestas e charlatões", servindo apenas para enriquecer o bolso dos capitalistas do mundo editorial, seu título, aliás, é uma incoerência, pois se o livro tem um autor, então é ajuda de terceiro, e não auto-ajuda, exceto, claro, para os bolsos dos impostores que lucram com base na ignorância das massas, assalariados que trabalham a serviço da classe dominante, materializando análise do sábio alemão Karl Marx, segundo o qual "as idéias predominantes de uma época são as idéias da classe dominante", defendida em O Manifesto Comunista. O melhor favor que o indivíduo pode fazer a si mesmo, assim como àqueles que o cercam é ler os clássicos, cobrar das editoras a valorização de escritores nacionais, e, sobretudo, a melhor ajuda que ele pode fazer para si mesmo e para os outros - lutar por uma sociedade humanitária e justa!



1- A farsa da auto-ajuda. Artigo do jornal A Nova Democracia. Em: http://www.anovademocracia.com.br/no-37/131-a-farsa-da-auto-ajuda

2- Sobre auto-ajuda e psicologia. Artigo de Francine Passeti em "Reflexões Terapêuticas". Em: http://www.franpassetti.com/2010/12/sobre-auto-ajuda-e-psicologia.html

3- Em: http://bestsellerdavez.blogspot.com/

4- Em: "O Anti-Dühring".

2 comentários:

Anônimo disse...

Apreciei essa postagem, apesar de não concordar com sua filosofia política. Duas observações:

1- "Positivismo" é o nome da filosofia de Comte, que nada tem a ver com essa mentalidade desses livros. Uma palavra melhor seria "triunfalismo".

2- Shinyashiki é psiquiatra. Os psicólogos sérios estão livres da vergonha de tê-lo como colega.

* * *

MEDICO57 disse...

Parabéns pelo artigo.