domingo, junho 22, 2025

Nazismo é um tipo de socialismo?

Por Cristiano Alves (Kristianograd)

Símbolo da Sociedade Thule de magia negra, precursora do partido nazista


Materiais compartilhados por aplicativos de mensagens, sem qualquer crivo científico ou pesquisa aprofundada, frequentemente disseminam o mito de que comunismo e nazismo são "farinha do mesmo saco", atestando a ignorância de grupos de extrema-direita com relação a questões político-ideológicas e históricas.

O clássico argumento da direita sustenta que "se nazismo significa nacional-socialismo, logo é socialismo". Por tal raciocínio leviano pode-se concluir que o Mar Vermelho tem a cor de sangue, o Mar Negro tema cor de piche e a Companhia Negra de Geyer Flórian era formada por africanos. Curiosamente, essa idiocracia omite o fato de que "Brasil" vem de "brasa", que tem cor avermelhada, e berra que "a nossa bandeira jamais será vermelha" (embora vários toponímicos como "guará" e o próprio nome Brasil estejam mais relacionados a vermelho do que ao verde-amarelo).

No que tange ao nazismo, artigo científico de Vassiliy Saizev define o nacional-socialismo (nazismo) como 

...uma ideologia radical, antissemita, racista, anticomunista e antidemocrática. Suas raízes remontam ao Movimento Popular (Völkische Bewegung), que surgiu na década de 1880 no Império Alemão e na Áustria-Hungria. Desde 1919, após a Primeira Guerra Mundial, o Nacional-Socialismo se tornou um movimento político independente nos países de língua alemã. Assim como o fascismo, que chegou ao poder na Itália em 1922, o objetivo do Nacional-Socialismo era criar um Estado autoritário sob um único líder (autoritärer Führerstaat) – o Führer. A diferença entre a ideologia alemã e o fascismo era seu extremo antissemitismo.

A partir de 1879, antissemitas alemães organizaram vários partidos e grupos políticos de inspiração antissemítica, saudosista e ocultista, dentre as quais a "Liga do Martelo do Reich" (Reichshammerbund), a "Associação contra a Arrogância do Judaísmo" (Verband gegen die Überhebung des Judentums) ou a "Ordem Secreta dos Alemães" (der geheime Germanenorden). No ano de 1918, surgiu a "Sociedade Thule" de Munique, publicando a revista "Observador de Munique" (Münchner Beobachter) com o símbolo da suástica na capa. Em 1919, a revista foi renomeada para "Observador do Povo" (Völkischer Beobachter). A ideia de um novo Reich, o III, partia de uma ideia saudosista de resgatar a grandeza do Sacro Império Romano-Germânico (I Reich) e de dar continuidade ao Império Alemão surgido após a unificação, o II Reich. Ideias de recriação de "grandes impérios do passado" são estranhas à filosofia marxista-leninista, bem como ao pensamento das correntes socialistas utópicas do século XIX.

Ao contrário da filosofia marxista, baseada no materialismo histórico, a Sociedade Thule, precursora do Partido Nazista, buscava inspiração no misticismo, no ocultismo, na magia negra, sua base era a metafísica, o que em parte explica a obsessão de Hitler por artefatos como o Santo Graal, a Lança de Longino e outros, buscados por renomados arqueólogos nos locais mais remotos da Terra. 

Os partidários da Sociedade Thule e mais tarde do NSDAP (partido nazista) rejeitavam a ideia de "luta de classes" em prol da ideia de que a força que move a história são as sociedades secretas: os illuminati, os cátaros, a maçonaria, a seita Moon, o KKK e até os Skull&Bones seriam os verdadeiros agentes da história. A crença em antigos mitos persas, germânicos, celtas e teutônicos não possui absolutamente nenhuma relação com a filosofia marxista e mesmo com a filosofia dos chamados socialistas utópicos, mas está presente em quase todos os movimentos neonazistas dos nossos dias, sendo um exemplo clássico o neopaganismo abertamente cultuado nas fileiras das Forças Armadas da Ucrânia (ZSU) e das organizações de emigrados ucranianos no Canadá, adeptos da seita neopagã RUN Vira.

Após a Revolução de Outubro de 1917 e a subsequente guerra civil, refugiados da Rússia criaram células anticomunistas e equiparavam os comunistas aos judeus, foi nesse momento que surgiu a expressão "bolchevismo judaico". Esses refugiados eram em geral elites e oficiais reacionários que ajudaram a disseminar a teoria da conspiração de um "judaísmo mundial todo-poderoso". Criaram também a chamada "Organização da Reconstrução" (Wirtschaftliche Aufbau-Vereinigung), que apoiava ideológica e financeiramente o partido NSDAP. Todos esses grupos se fundiram em um grande movimento nacional-socialista. O antissemitismo os uniu fortemente, temperado com objetivos imperialistas e racistas.

As ideias antissemitas e racistas de Hitler não eram nenhuma novidade, tais axiomas já haviam sido deduzidos no século XIX e início do século XX, ápice do colonialismo, por teóricos raciais (por exemplo, Goubineau, Francis Galton, Ernst Haeckel, Alfred Ploetz ou Wilhelm Schallmayer). Hitler inovou ao falar em "higiene racial" como programa político. Para o famoso pintor austríaco, a preservação da raça a principal tarefa do Estado.

Isso significava a esterilização obrigatória de pessoas com defeitos genéticos e aleijados, além de diversos benefícios para as "famílias alemãs decentes". Isso levou posteriormente ao extermínio de mais de 70.000 deficientes e alemães com doenças mentais. Aqueles com a "maior pureza racial" deveriam receber um "certificado de assentamento" e se estabelecer nas colônias capturadas. Hitler enfatizou especialmente que um Estado que apoia seus melhores elementos raciais deve invariavelmente se tornar o governante da Terra, deixando claro o seu nítido viés colonial-imperialista, que em muito se inspirava nas campanhas do Império Britânico e dos Estados Unidos contra os povos "menos civilizados". Hitler, como descreveu o professor russo Yegor Yakovlyev, era um "germânico que queria ser anglossaxão".

Enquanto os escritos do líder comunista Lenin condenam abertamente o antissemitismo, como forma da classe dominante de implodir a unidade dos trabalhadores, Hitler descreve os judeus como mendigos, parasitas, micróbios, sanguessugas, fungos de fissura, ratos, etc. O "judaísmo", em todas as suas formas, buscava "decompor", "bastardizar" (Bastardisierung) e "envenenar o sangue" do povo alemão, escreveu ele. Para esse propósito, acreditava Hitler, os judeus recorriam à "prostituição", à disseminação de doenças venéreas e à sedução de meninas arianas inocentes. Hitler atribuiu os males do mundo como a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, a inflação, aos ardis do "Judaísmo Mundial". Ele incluiu nas fileiras deste último tanto o "capital financeiro" dos EUA quanto, sem ver qualquer contradição nisso, seu oponente político, o "bolchevismo".

No segundo volume de "Mein Kampf", Hitler já escrevia abertamente sobre a necessidade de exterminar os judeus: 

"Se durante a guerra 12 ou 15 mil desses judeus poluidores do povo tivessem sido submetidos a gás mostarda, assim como centenas de milhares de nossos melhores trabalhadores alemães de todas as classes e profissões que foram forçados a suportá-lo, seus milhões de vítimas não teriam sido em vão. Pelo contrário, 12 mil bandidos removidos a tempo provavelmente teriam ajudado a salvar um milhão de alemães decentes, necessários para o futuro." E essa tarefa, na opinião de Hitler, lhe foi confiada pelo próprio Deus: "Ao me livrar do judeu, estou fazendo a obra do Senhor", escreveu ele. 

Hitler não acreditava que membros de famílias judias também servissem na frente de batalha e, portanto, estivessem sujeitos a ataques com gás. Seu amigo e mentor, Dietrich Eckart, acreditava tão firmemente nessa ideia, inventada pelos próprios nazistas, que declarou que pagaria mil marcos a qualquer pessoa que conseguisse o nome de uma família judia cujos filhos tivessem servido no front por mais de três semanas. Quando o rabino Samuel Freund nomeou vinte dessas famílias, Dietrich se recusou a pagar. O rabino entrou com uma ação judicial, na qual nomeou outras cinquenta famílias. Nas famílias nomeadas, até sete filhos serviram, dos quais até três morreram em batalha. Eckart perdeu o caso e foi forçado a pagar o valor.

O sociólogo alemão Max Horkheimer escreveu em 1939 que o fascismo é equivalente ao capitalismo. O historiador Manfred Weissbecker chamou o nome do partido NSDAP de pura demagogia, já que não era nacionalista nem socialista, mas puramente fascista. É importante enfatizar que o programa econômico do III Reich não foi elaborado por Adolf Hitler, mas sim por Albert Speer, que liderava uma organização de grandes empresários alemães. 

O historiador e economista britânico Antony C. Sutton acredita que o Partido Nazista era apoiado por bancos americanos. O economista ítalo-americano Guido Giacomo Preparata compartilha dessa opinião. O partido, que não tinha dinheiro nem mesmo para um congresso no verão de 1928 e depois perdeu as eleições, reuniu cerca de 200 mil membros em trens especialmente encomendados de toda a Alemanha no verão de 1929 e os levou até Nuremberg.

De fato, no partido havia uma facção socialista liderada por Gregor Strasser até 1930, mas ele e seus camaradas deixaram o partido e mesmo foram reprimidos no regime hitlerista. A ideologia do partido continha alguns elementos de anticapitalismo, mas sempre subordinadas ao viés antissemita. 

O cientista político Franz Neumann escreveu que o nacional-socialismo não se libertou da produção capitalista privada, mas, pelo contrário, criou o “capitalismo monopolista totalitário”. O próprio Hitler se manifestou a favor da propriedade privada já em 1919, em conversas privadas, e em 1926, publicamente, durante um discurso no Clube Nacional de Hamburgo. Em 26 de junho de 1944, em um discurso diante de figuras importantes da indústria militar, Albert Speer e Adolf Hitler prometeram que "após a vitória, uma grande era viria para a iniciativa privada na indústria alemã". Apesar disso, Hitler não era um adepto do livre mercado, embora não defendesse uma ditadura do proletariado, ainda que alemão. Sua ideologia também não era a favor da nacionalização da produção. A Alemanha de Hitler pode ser vista como uma Alemanha na qual o poder dos grandes bancos foi repassado para a indústria armamentista.

O programa do NSDAP pôs em prática alguns princípios assistencialistas, mas ao contrário do marxismo, que promete igualdade social aos trabalhadores, esse programa estava subordinado ao princípio de homogeneidade étnica. Houve tentativas de colocar essa promessa em prática, mas somente no Serviço de Trabalho do Reich (Reichsarbeitsdienst), na Juventude Hitlerista e no exército (Wehrmacht). 

Esses fatos, atestados até mesmo pelos trabalhos mais medíocres sobre o III Reich, refutam completamente o mito de que "socialismo e nazismo são irmãos gêmeos", mitos estes que levam o povo à ignorância e à manipulação dos defensores da mais cruel forma de capitalismo

Se você gostou deste artigo, apoie o nosso canal por meio do PIX cristianoatrad@gmail.com

Nenhum comentário: