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sexta-feira, abril 17, 2020

FATO OU FAKE: "Soldado soviético rouba uma bicicleta de uma alemã"

Por Cristiano Alves

Circula pela internet uma foto, quase sempre em sítios virtuais, blogs e vlogs de extrema-direita uma foto na qual um suposto soldado soviético "assedia uma pobre e inocente alemã berlinense", nela o "comunista malvado e cruel" puxa uma bicicleta, como puxar uma bicicleta se transformou num ato de "assédio sexual" é o que iremos analizar, trazendo ao leitor a verdade sobre os fatos, a verdade é sempre revolucionária!

Falsificadores de história e de matemática


Desde o fim da Segunda Guerra Mundial houve um enorme esforço para transformar em vilões os heróicos soldados do Exército Vermelho, pagando com o seu sangue, o povo soviético perdeu mais de 27 milhões de seus filhos, a pior perda da história das guerras. Em sua luta, os comunistas libertaram não apenas o seu próprio país, a União Soviética, como diversos Estados do Leste Europeu antes subjugados pelo III Reich nazista. Nos anos 40 a União Soviética, apresentado por tantos anos como o "Grande Satã" era reverenciado no mundo inteiro como o Estado "libertador", jornais publicavam a bandeira vermelha com a foice e o martelo no topo do Reichstag e em cinemas do mundo todo, em fins dos anos 40, exibiam o clássico "Padenye Berlina" (A queda de Berlim), que resume toda a Grande Guerra Patriótica numa só película. Pesquisas da época mostravam a URSS como a grande responsável pela vitória. Mas a Guerra Fria estava começando, era preciso fazer algo para mudar essa imagem.

Com a morte do presidente americano Franklin Delano Rosevelt, assumiu o poder um outro presidente voltado para um outro setor do empresariado americano, que não estava interessado em fazer negócios com a União Soviética, na criação de uma "Europa Unida" submissa aos americanos e ao seu capital por meio do Plano Marshall, e deste modo, para tal, era necessário mostrar que o seu rival, a URSS, era "pior que os próprios nazistas" e que por isso era necessário demonizar ao máximo o seu antigo aliado. O cenário perfeito para isso era a cidade de Berlim, na qual estavam estacionadas tropas do Exército Vermelho, e uma dessas formas era mostrar os soldados soviéticos como bárbaros, como saqueadores. Lembremos que muito antes da chegada dos vermelhos, o propagandista nazista Josef Göbbels anunciava nas rádios alemãs que "os russos estão chegando" e irão promover ondas massivas de estupros, o mesmo era feita em relação aos aliados, só que cartazes de propaganda nazistas usavam outro recurso, trazendo desenhos de negros estuprando loiras alemãs.

Os agora rivais da URSS decidiram fazer o mesmo, através de vários recursos, porém a propaganda não deu certo naquela época e acabou indo para os arquivos alemães. Com a chegada do século XXI e a ascenção da ideologia feminista no Ocidente, a heresia da vez era o "assediador", que podia ser desde o sujeito que insistentemente tenta algo com uma mulher a um simples sujeito que dá bom dia para uma moça num transporte público, em países como o Brasil um homem pode ser acusado de assédio e preso simplesmente por pedir um telefone de uma moça que conheceu na rua. Assim, nesse contexto, fotos de época se tornaram um prato cheio para historiadores oportunistas e desonestos como o britânico Anthony Beevor, que se tornaria rapidamente famoso em todo o mundo. Uma das missões desse escritor, a quem nos recusamos chamar de "historiador", era denegrir o papel do Exército Vermelho no início da década de 2000, quando a Rússia tinha no poder, pela primeira vez desde 1985, um presidente interessado em elevar o nível da participação geopolítica da Rússia, Vladimir Vladimirovich Putin. Deste modo, enquanto sucessora da União Soviética e legitimadora da vitória do Exército Vermelho em Berlim, a Rússia precisava ter sua história atacada, caluniada e difamada, se o país já era (e é) tido como "inimigo da liberdade" agora ele era apresentado como "o inimigo das mulheres".

Uma mentira jamais terá efeito se for pequena, ela é preciso ser completamente absurda para, assim, convencer as grandes massas, já dizia Göbbels, fielmente seguidor por A. Beevor, que declarou que o Exército Vermelho "estuprou 2 milhões de alemãs só em Berlim". Como em 1945 restaram 2 milhões de alemãs em Berlim é por si só uma boa pergunta, já que muitas mulheres foram evacuadas ainda em época de guerra, porém, vem a pergunta principal, como ele chegou a esses "2 milhões"? 

As declarações absurdas de Beevor não passaram despercebidas por historiadores e jornalistas da Rússia e de outros países da ex-URSS, incluindo aqui historiadoras, que publicaram na imprensa russa inúmeros artigos que refutam esse mito e principalmente questionam de onde vêm os tais "2 milhões"? As principais fonte de Beevor são feministas alemãs (a Alemanha é tida por alguns como a Arábia Saudita do feminismo) que por sua vez têm trabalhos que mencionam como sua fonte primária uma clínica de abortos que registrou na época da guerra... dezenas de pedidos de aborto em razão de supostos estupros (na Alemanha o aborto só era tolerado em caso de estupro). Como dezenas se transformaram em 2 milhões, essa é uma matemática que nenhum anticomunista consegue explicar.

É claro que nenhuma mentira se tornaria conhecida se não fossem dois fatores, a imensa publicidade dada a essa mentira em jornais da grande imprensa como a BBC e o Daily Mail e principalmente... fotos! Sim, o que seria uma mentira sem elas? A "prova material do crime". Nesse artigo trataremos apenas de uma delas.

A "prova do crime"

Inúmeros sites de extrema-direita trazem como a "prova do crime" uma foto na qual um soldado russo puxa uma bicicleta de uma mulher supostamente alemã. Quem vê a foto irá pensar "mas que maldito estuprador", ou "que maldito ladrão", mas são vários os detalhes que chamam a nossa atenção!


Qualquer pessoa minimamente entendida de fotografia sabe que as câmeras dos anos 40 e 50 eram muito inferiores às que temos em nossos dias. Imagine você fotografar o exato momento de uma briga de mulheres, na qual uma puxa o cabelo da outra, as chances da foto sair borrada seriam enormes, agora imagine com uma câmera dos anos 30 ou 40. Todavia, se observarmos a fotografia em questão veremos que ela parece ter sido tirada recentemente, devido à sua alta qualidade. Há versões dessa foto ainda melhores, melhoradas com a tecnologia de computador, incluindo a sua fonte original, que é da Hulton-Deutsch Collection/CORBIS. E aqui temos uma parte do mistério desvendado, a legenda original da foto não diz absolutamente nada sobre "estupro", "assédio" ou "abuso sexual" cometido pelo suposto soldado vermelho, a legenda descreve a foto como sendo um "Desentendimento após um soldado russo comprar uma bicicleta de uma alemã em Berlim. Depois de pagar pela bicicleta, o soldado assume que é um negócio fechado. Todavia, a mulher não parece convencida", a data é de agosto de 1945, isto é, três meses depois da rendição incondicional dos nazistas em Berlim.


Como podemos ver, a fonte original não faz absolutamente nenhuma referência a "estupro" ou qualquer outra ação de conteúdo sexual, porém há outras perguntas pertinentes a essa imagem, suponhamos que ela realmente se trata de um "roubo", afinal, por que não mostrar comunistas como ladrões? Alguém já viu pessoalmente um roubo? Mais do que isso, é um ato de violência contra uma mulher, ato que por si só suscitava inúmeros problemas naquela época, inclusive de militares, todavia repare na atitude dos integrantes da foto, é uma atitude de completa indiferença, inclusive a do militar americano que pode ser visto logo atrás do suposto soldado vermelho, ele parece estar de braços cruzados atrás de suas costas, ou segurando as mãos na cintura, ele assiste tranquilamente à cena, como os demais integrantes da foto, os homens de chapéu, incluindo o que passa, observam a cena como quem está lendo as notícias da manhã num jornal em um café, não há um único que, por sua reação deixe a entender que se trate de uma briga provocada por um homem. A reação normal de um oficial seria ou intervir na briga ou apitar para chamar imediatamente a polícia militar de sua unidade.

Um soldado russo?

Além dos transeuntes da foto, há outro fator marcante, o suposto "soldado russo". O que ele estaria fazendo sozinho e ainda mais bem no meio da rua? Quem seria esse homem, afinal de contas? Por que um combatente estaria caminhando sozinho pelas ruas de Berlim?

No Exército Vermelho, a primeira ordem dada sobre a nova localidade diz respeito à disposição e aquartelamento das tropas, quando se tem mais de 1 milhão de homens em uma nova cidade, além de blindados, armas, aviões e munição, a primeira tarefa é conseguir um quartel para essas tropas onde eles possam não apenas guardar os seus equipamentos, como também descansar e por sua vez vigiar os seus pertences, que poderiam cair em mãos erradas. No Exército Vermelho o soldado raso era proibido de deixar a sua guarnição, será que alguém acha mesmo, que numa cidade na qual a guerra acabou recentemente, é seguro andar sozinho por uma cidade, que o soldado achou que nada lhe aconteceria?!

Surge imediatamente outra pergunta, onde estão as armas deste soldado que encontra-se em território ocupado na condição de combatente ocupante?! Reparemos que ele usa um poncho-barraca (plasch-palatka), deixando a entender que ele não está a passeio, mas a serviço. 

Ele queria roubar a população local? Vamos ver o que disciplinava o Direito Militar do Exército Vermelho Operário Camponês em sua Ordem do Chefe da Guarnição e Comandante Militar de regulamento da vida política e econômico-social urbana Nº 1 de Berlim, de 30 abril de 1945 (Приказ Начальника гарнизона и Военного Коменданта Берлина о регулировании политической и социально-экономической жизни города № 1 г. Берлин 30 апреля 1945 г.):

"As unidades do Exército Vermelho e militares em separado, chegados em Berlim, estão obrigados a aquartelar-se somente nos locais indicados pelos comandantes militares dos bairros e unidades. Os militares do Exército Vermelho estão proibidos de realizar individualmente, sem a permissão dos comandantes militares a desalocação e transferência dos moradores, confisco de propriedade, valores e a realização de busca dos moradores da cidade"

Como vemos, ao contrário da ideia de "permissibilidade absoluta", disseminada por Beevor e blogueiros e oportunistas de extrema-direita ou feministas, é um mito, e o Exército Vermelho era conhecido pela sua rígida disciplina, desde o uso dos uniformes até a conduta particular e o decoro do militar vermelho.

Caso interesse a alguém, esse regulamento disciplinar não era mera "formalidade" do Exército Vermelho, os arquivos soviéticos trazem processos movidos pelo promotor militar da 1ª Frente Bielorrussa (uma das unidades que cercou e capturou Berlim), nesses processos são citados o nome, sobrenome dos infratores da lei, responsáveis por "saques e roubos", o resultado é sempre um só, prisão e tribunal militar, no qual o caso poderia acabar em... fuzilamento! É estranho que diante de tantas testemunhas e um fotógrafo o soldado suicida continue disputando a bicicleta. Lembremos que para que a foto tenha saído com a qualidade que vemos hoje, é preciso que o soldado tenha gastado algum tempo disputando a bicicleta de modo que o fotógrafo capturou o momento exato. Mas quem disse que o soldado "é russo"? O que faz ele parecer russo, o fato de usar uniforme?! Façamos uma comparação:



Apesar da grande semelhança com um bibico de um soldado do Exército Vermelho, um olhar atento revela que não se trata de um bibico usado por um soldado vermelho, apesar da semelhança, e não é apenas isso, um blogueiro russo (Sakmagon) identificou irregularidades em sua bombacha e botas de tamanho diferente.

Porém a mais gritante de todas, quem serviu no Exército Brasileiro sabe que há rigorosas exigências relativas ao uso do uniforme, e não era diferente no Exército Vermelho, exceto em situações de guerra e urgência, o regulamento de uniformes era rigorosamente seguido, esse regulamento disciplinava inúmeras minúcias adotadas até hoje nas FFAA russas, por exemplo, um oficial não podia colocar as mãos no bolso (no caso de uma foto por exemplo), deste modo, se um indivíduo tinha as mãos no bolso em uma foto deduzia-se que se tratava de um ator ou de alguém tentando se passar por um oficial vermelho. Uma regra disciplinada por tal regulamento dizia respeito ao uso do poncho-barraca, ele deveria ser usado sobre o ombro esquerdo, de modo que usá-lo sobre o ombro direito, como vemos na foto, caracteriza uso incorreto do uniforme, o que poderia causar advertência dos oficiais e mesmo punição, em caso de constantes repetições.

O regulamento militar do Exército Vermelho e o reencenador histórico do site "Rubej" mostram o uso correto de equipamentos e acessórios:









Como podemos ver, ao contrário do personagem da foto, o uso correto do poncho-barraca é sobre o ombro esquerdo, e isso não é mera questão "estética" ou "capricho", é que ao deixar o ombro direito livre, é mais fácil empunhar a arma em postura de sentido e atirar. Em um exército, seja ele qual for, tudo acontece por um motivo.

O que é mais estranho na foto, reparemos novamente nos equipamentos e acessórios de um soldado do Exército Vermelho, ele prevê cartucheira para munição, bolsa para granadas, bolsa para máscara de gás, bornal, cantil e pá de sapa, também vemos um saco de coisas (vesch meschok) e uma panela de campanha. Ressaltemos que o regulamento e a foto exibidas retratam o uniforme Modelo 1936, o soldado usa tiras (portyanki) em volta de sua canela, em vez de uma bota (kirzovye sapagui), que passou a ser a regra a partir de 1942. Claro, também está presente o poncho-barraca. Mas o que usa o personagem da foto?! Somente um poncho-barraca! Ora, se até nos dias de hoje, nos dias de verão, quando a foto foi tirada, dificilmente um militar sai sem o seu cantil, imagine naquela época, ainda mais numa cidade carente de uma série de recursos.

Diante de tantas irregularidades, podemos trabalhar aqui com duas hipóteses: a) trata-se de um peão que juntou partes de uniformes que conseguiu de alguma forma, um mercado de pulgas talvez; b) uma foto montada com um ator, teatralizada, com o intuito de difamar em jornais ocidentais o papel do Exército Vermelho, alguém aí consegue lembrar de fotos publicadas na Reuters e noutras fontes de mídia ocidental durante a Guerra da Ossétia, em 2008, quando um homem foi colocado em diferentes pontos de um escombro e mesmo "ressuscitado" para poder mostrar o quão maus eram os russos?! A Guerra da Síria e outros conflitos são inúmeros exemplos de como "fotos virais" frequentemente são arranjadas por fotógrafos com o fim de mobilizar a opinião pública em torno de uma ideia, afinal, "uma imagem vale mais que mil palavras", especialmente quando o objetivo dessa imagem é enganar e falsificar a história ou os fatos. A grande vantagem de uma mentira sobre a verdade, é que leva algum tempo até que alguém possa verificar aquela mentira

Uma foto montada

Estudamos nesse artigo diversas opções e versões que poderiam explicar a natureza da foto em si, desde sua nomenclatura oficial, que por si só refuta a versão de "estupro" até o que realmente teria acontecido ali, todas as evidências nos levam a crer que se trata de uma foto montada.

"Criar" um soldado russo não é um problema, o problema é se os russos verem a foto. Os russos são um povo extremamente detalhista e exigente quando se trata do assunto fotos, são "pedantes", não na acepção brasileira desta palavra, mas italiana, isto é, no sentido de serem extremamente formais e detalhistas no tocante a certas questões, ainda mais quando se trata militares que avaliam uma foto de um suposto subordinado seu. Deste modo, seria fácil para um oficial do Exército Vermelho ou do KGB identificar na foto uma nítida falsificação, já que o militar não corresponde aos cânones da forma como se apresenta um militar vermelho em território ocupado. Assim, para o fotógrafo, o problema não era "criar" um falso soldado russo, o problema seria se um verdadeiro russo visse a foto. Uma mentira, para ser extensivamente propagada e atingir sucesso, precisa ser feita longe das vistas (ou dos ouvidos) de alguém que conhece a verdade. Um blogueiro que alega absurdos sobre supostos crimes do Exército Vermelho e usa fotos de crimes da Alemanha nazista em Auschwitz ou em Babi Yar, na Ucrânia, dependerá de uma multidão que não saiba que aquelas fotos não correspondem a ações do Exército Vermelho para que a sua falsificação tenha sucesso. Ele também precisa que sua mentira se espalhe rapidamente, pois assim será tida como "verdade" e as pessoas criarão uma resistência a outras versões, que poderão acusar de "propaganda comunista".

O truque está mais que evidente, o fotógrafo pegou um ator e vestiu-o com um uniforme similar ao do Exército Vermelho, de modo a encobrir imperfeições deste falso uniforme, ele virou o bibico do soldado, se modo que não fique visível a nítida ausência da estrelha vermelha, típica do uniforme comunista, além disso, diante da ausência de platinas no ombro do soldado e provavelmente de botões correspondentes, os responsáveis pela cena resolveram encobrir tais deficiências com um poncho-barraca sobre o ombro direito. Agora que toda a cena foi organizada e deficiências encobertas com um poncho-barraca, só faltava armar o barraco!

Como convencer a quem vê a foto de que tudo acontece na Alemanha? Nenhum lugar poderia ser melhor do que os Portões de Brandemburgo (algo evidenciado pelo número de colunas na foto), sim, o cartão postal de Berlim, a alguns metros do Reichstag, o parlamento alemão ocupado com a bandeira vermelha da vitória. Era nesse local que situava-se a divisão das zonas de ocupação soviética, americana e britânica. Agora façamos uma pergunta, o que um soldado soviético faria bem num local às vistas de todo o mundo, sozinho, ao tentar roubar uma alemã (ou comprar sua bicicleta) e ainda sabendo que, em caso de roubo, poderia ser fuzilado?

Ora, já mostramos aqui que o uniforme está em completa dissonância com o regulamento militar do Exército Vermelho, que os participantes da foto não parecem estar convencidos de que se trata de um "furto" ou mesmo uma briga entre um mal pagador e uma vendedora de uma bicicleta, logo a conclusão parece bastante evidente, alguém armou uma cena, com um ator, de modo a caluniar o Exército Vermelho. Essa mesma foto, hoje reproduzida em jornais, livros e principalmente blogs de extrema-direita são frequentemente misturadas a outras cenas trágicas da guerra ou mesmo de filmes, o objetivo é um só: "vejam, os soldados do Exército Vermelho mataram e estupraram pobres alemãs inocentes, o Exército Vermelho era da União Soviética, a União Soviética era comunista, logo isso quer dizer que comunistas defendem mortes, assassinato e estupros, e por isso é preciso proibir o comunismo e perseguir comunistas". O que seria do ódio e da extrema-direita sem os tão benditos "fakes"?

Conclusão


O suposto "assédio de um soldado soviético a uma alemã", assim como a ideia de "mal-entendido na negociação de uma bicicleta" são nitidamente uma FALSIFICAÇÃO RESULTANTE DE MOTIVOS POLÍTICO-IDEOLÓGICOS!

Fonte de consulta

Artigo "Sovyetskiy soldato otbirayet velotsiped ili uymites s etoy "foto""
https://cont.ws/@passportu6/564066

quarta-feira, maio 10, 2017

A provação do Marechal Rokossovsky

Por Cristiano Alves



A famosa agência de notícias russa "Regnum" chamou Rokossovsky de "o marechal a quem não foi dada a cidade de Berlim", durante a comemoração de seu aniversário de 120 anos do seu nascimento (Rokossovsky veio a óbito em 1968). Neste dia 9 de maio, marchamos no Regimento Imortal carregando um enorme retrato do Marechal Rokossovsky pelas avenida principal de São Petersburgo, a Avenida Nevsky, mas quem foi esse comunista? O que o torna tão especial e digno de nossa grande admiração?





Rokossovsky nasceu em Varsóvia, na Polônia. Ao contrário de outros marechais soviéticos ele não era russo de nascimento, nem havia nascido numa das repúblicas soviéticas. Quando ele se tornou Herói da União Soviética, pela segunda vez, sua biografia oficial "arrumou um jeitinho" de estabelecer a sua cidade natal como Velikiy Luki, na Rússia, isso por que aquele que se tornava duas vezes Herói da União Soviética tinha direito a um busto em praça pública, assim, não parecia justo que um marechal tivesse seu busto fora do território soviético. Um outro fato marcava a biografia de Rokossovsky, ao contrário de outros bolcheviques, ele vinha da nobreza, o seu pai era um nobre polonês empobrecido, por essa razão ele trocou o seu patronímico.

A carreira militar de Konstantin Rokossovsky iniciou-se em 1914, quando começou a I Guerra Mundial, na cavaleria do Exército Imperial Russo, do qual fazia parte o Reino da Polônia. Ele tornou-se sargento, durante a guerra, combatendo às margens do mar Báltico. Quando o Império Russo entrou em declínio, em 1917, Rokossovsky aderiu aos bolcheviques, muito populares no Front, devido à sua promessa de acabar com uma guerra que não fazia absolutamente sentido algum para a Rússia, sacrificando milhões de vidas de soldados russos numa guerra contra o Império Alemão e que trazia benefícios apenas ao Império Britânico, que matava dois coelhos com uma cajadada só, acabando com dois impérios europeus, o alemão e o russo. Em dezembro de 1917, Rokossovsky deixaria o seu regimento de dragões imperiais para ingressar na Guarda Vermelha e no Exército Vermelho, como fizeram outros famosos sargentos de cavalaria que mais tarde se tornariam os primeiros e mais famosos marechais comunistas da União Soviética, Budyonniy, Voroshilov (o primeiro oficial vermelho) e Júkov. 

O comunista Rokossovsky foi designado para uma nova missão nos anos difíceis da Guerra Civil Russa, integrante agora da Cavalaria Vermelha. A ele foi dado o comando do Regimento de Cavalaria de Volodarskiy, nos montes Urais, parte central da Rússia. A vitória dos bolcheviques naquela região contra o Exército Branco era essencial para impedir a fragmentação da Rússia numa "Rússia Ocidental" e "Rússia Oriental" siberiana governada pelo movimento branco. Na data simbólica de 7 de novembro de 1919 (25 de outubro pelo calendário juliano), Rokossovskiy, que desconhecia o medo, marcou um duelo com o lugar-tenente do Almirante Koltchak, um dos maiores reacionários do movimento branco. O seu lugar tenente era o coronel Voznessenskiy, um anticomunista fervoroso, favorito do almirante branco e disposto acabar com o governo bolchevique a qualquer custo. Enquanto nobre, a sua honra agora estava em jogo e o duelo poderia decidir o resultado do conflito, sem grande derramamento de sangue. Duelos entre cavaleiros eram feitos com a shashka, arma branca dos cossacos adotada dos povos do Cáucaso, da Adiguéia, derivada da faca, feita para decidir em poucos segundos um combate a cavalo ou a pé, devido ao seu extremo poder de corte e de perfuração. Rokossovskiy investiu contra Vozneseenskiy e com apenas um golpe o cavaleiro vermelho desferiu um ataque mortal contra o cavaleiro branco.

A segunda prova de Rokossovskiy enquanto comandante da Cavalaria Vermelha se deu contra um inimigo que tinha a fama de anticomunista cruel, sádico, abertamente e sem máscara antissemita, um inimigo que se dizia a "reincarnação de Genghis Khan", um monarquista cujo fanatismo assustava até mesmo os seus colegas do Exército Branco, que combatia em uniformes mongóis com a platina de marechal e proclamava como o seu objetivo construir um enorme império que iria da Ásia até a Europa (ideia mais tarde adotada pelos eurasianistas, que o cultuam), que afirmava ser um nobre descendente dos cruzados, conhecedor de mais de 70 gerações de sua família, e que o "bolchevismo judeu" fora criado há mais de 3000 ano na Babilônia, o Barão von Ungern, nobre alemão étnico que fazia parte do exército do tzar, amigo do XIII Dalai Lama, budista convertido, conhecido pelos epítetos "Barão Sanguinário" e "Barão Louco". Em 1921, o cavaleiro vermelho Rokossovskiy destruiu as forças do general Rezuhin, do exército asiático do Barão Sanguinário, entretanto, ele próprio foi ferido gravemente em combate. Pela sua vitória ele recebeu a Ordem da Estrela Vermelha.

Ao final da Guerra Civil, em 1923, Rokossovskiy casou-se com Yulia Barminaya, sua primeira e única esposa por toda a vida. Era um marido exemplar que frequentemente dividia as tarefas domésticas com a esposa.
Rokossovskiy com a sua esposa, com quem ficaria até o fim da vida
Durante o período entre guerras, Rokossovskiy galgaria diversas posições no Exército Vermelho, após seus estudos iniciados em 1924, ano no qual conheceria um outro cavaleiro vermelho veterano de combates na Ucrânia, Georgiy Júkov, descrito por Rokossovskiy como um estudante obcecado, que no alojamento tinha sempre mapas espalhados pelo chão. Júkov, mais tarde, descreveria Rokossovskiy como um comandante pouco exigente com os seus subordinados, qualidades prejudiciais a um comandante.

Mas a sorte de Rokossovskiy viria a mudar em 1937. O premier soviético Iósif Stalin, também secretário-geral do PCUS, cometeria o gravíssimo erro de nomear para a chefia do NKVD um policial "comunista" que se apresentava como extremamente zeloso, como um comunista ortodoxo, leal e dedicado, mas que em realidade se tratava de um fanático, sádico e homossexual, Nikolay Yejov, que ascendeu á chefia dos Assuntso Internos após o desmascaramento de Genrih Yagoda, o mesmo que havia sugerido a criminalização do homossexualismo. Rokossovskiy, então, seria vítima do sádico homossexual, acusado de ser um agente do Japão e da Polônia, ele foi preso pelo NKVD enquanto ia à cidade de Leningrado (São Petersburgo) e expulso do Partido Comunista. Uma das principais acusações contra Rokossovskiy era a de ter se encontrado com o agente da contra-inteligência japonesa em Harbin, Mititaru Komatsubara. Rokossovskiy, na prisão do NKVD, sofreu as piores provações, ele teve dois dentes frontais seus quebrados em um interrogatório, seus dedos foram quebrados com um martelo, duas costelas suas foram quebradas com socos e ele passou por uma execução simulada com munição de festim. 

Nenhuma das tentativas de forçar Rokossovskiy a confessar a sua própria culpa funcionou. Nas palavras de seu neto, toda a acusação era baseada no relato do polonês Adolf Yushkevich, camarada de armas de Rokossovskiy durante a Guerra Civil. Mas Rokossovskiy sabia, que Yushkevich já havia falecido há muito tempo, e afirmou que concordaria em assinar a confissão caso trouxessem Yushkevich à sua presença. Conquanto iniciaram a busca por Yushkevich, foi constatado que ele já havia morrido. Foi marcado um julgamento para Konstantin Rokossovskiy, porém um dos membros do Colégio de Justiça Militar responsáveis pelo seu processo constatou que todas as testemunhas de acusação já haviam morrido. Foi marcada uma segunda audiência, também com acusações obtidas por meios ilícitos. O polaco nem confessou os crimes a ele atribuídos e nem entregou outros a quem inimigos disfarçados o quepe azul do NKVD pretendiam incriminar. Existe uma versão de que na época, Rokossovskiy foi secretamente enviado à Guerra Civil Espanhola.

Nikolay Yejov, líder do NKVD, homossexual, foi responsável por fabricar inúmeras acusações falsas contra personalidades leais ao comunismo, o que depois seria atribuído a Stalin. Ao contrário do que acontece em outros países, sua posição de autoridade não o impediu de ser processado, julgado, condenado e fuzilado por traição. Também foi o único membro do Comitê Central processado pelo crime de pederastia, passível de até 2 anos de prisão na RSFS da Rússia. Yejov frequentemente organizava orgias homossexuais e fazia lobby para seus parceiros no NKVD
Em 1940, Rokossovskiy foi solto, reabilitado e reintroduzido no partido, enviado para um descanso com a sua família em Sochi, no Mar Negro, colocado no comando de um corpo motorizado. 

Rokossovskiy enquanto general comunista
Rokossovskiy voltaria à guerra em 1941, colocado no comando da Batalha de Moscou, como tenente-general. Sob o seu comando estive a lendária unidade sob o comando do general Panfilov, que deteve uma unidade blindada alemã usando apenas fuzis e canhões antitanque, uma lenda do Exército Vermelho. A Batalha de Moscou então apresentava ao mundo dois grandes gênios militares, Rokossovskiy e Júkov. Em março de 1942, foi ferido por uma granada de morteiro, na região de Moscou, em julho já estava de volta à batalha na região de Stalingrado, onde no comando da Frente do Don, durante a Operação Urano, efetuou o cerco ao Marechal de Campo von Paulus, do III Reich, suas tropas capturaram ainda 24 generais, 2500 oficiais e 95 mil soldados nazistas. Stalin chamava Rokossovskiy por seu nome e patronímico, o que na cultura russa geralmente é feito como sinal de respeito por uma personalidade, geralmente mais velha. Pelo seu êxito militar, foi enviado à grande Batalha de Kursk, no qual triunfou. A ele foi encarregada a missão de libertar a República Socialista Soviética da Bielorrússia, ele próprio era filho de uma bielorrussa, e por sua vitória na Operação Bagration, junto a Júkov e Vassilievskiy, Rokossovskiy recebeu a Estrela de Diamantes e foi promovido a Marechal da União Soviética. 

Após a libertação da Bielorrússia Soviética, Rokossovskiy foi nomeado comandante da 1ª Frente Bielorrussa e Júkov da 2ª Frente Bielorrussa. A 1ª Frente Bielorrussa, com a missão de tomar a cidade de Berlim, seguiu rumo à Polônia, eles eram especialmente esperados em Varsóvia, onde teve lugar o "Levante de Varsóvia". As conversações entre Stalin e Stanislav Mikolaychik foram marcadas por grande ceticismo por parte do premier soviético, que alegava que grande parte dos insurgentes sequer tinham armas, enquanto os alemães tinham 3 divisões de tanques só em Varsóvia, sem contar a infantaria. Era típico do pensamento militar de Stalin e de uma forma geral da estratégia soviética apoiar somente grupos armados dos quais se pode ter a certeza da vitória, e essa foi uma das razões pelas quais ele não apoiou inicialmente a iniciativa de Kim Il Sung de reunificar a península coreana anos mais tarde. O Komintern cometeu esse erro diversas vezes, por exemplo, no Brasil. Pode-se imaginar a reação de Rokossovskiy ao saber que não poderia ajudar em sua cidade natal, Varsóvia, os seus compatriotas, o que inevitavelmente levaria a grandes perdas humanas para o Exército Vermelho, e decisões dessa natureza não faziam parte da personalidade de Konstantin Rokossovskiy. 

Após a sua campanha na Polônia, um telefonema de Stalin mudava Rokossovskiy para o comando da 2ª Frente Bielorrussa, Júkov recebia o comando da 1ª Frente. Essa decisão de Stalin mudou radicalmente o relacionamento de Rokossovskiy com Júkov, considerando-o culpado pela situação. "Por que essa indelicadeza?", telefonou o comunista de Varsóvia ao comunista russo. A partir daí acabava a amizade entre os dois. Para tentar reatar as suas relações com Rokossovskiy, Júkov após a guerra faria de tudo para encontrar a irmã de Rokossovskiy, que morava em Varsóvia e não o via há mais de 30 anos.

Rokossovskiy participou do Cerco a Berlim, mas foi Júkov que efetivamente tomou a cidade e recebeu a rendição alemã. No filme "A queda de Berlim" (Padenye Berlina), assistido por mais de 30 milhões de pessoas no mundo inteiro, Rokossovskiy, junto com Konyev, é exibido recebendo de Stalin os agradecimentos pela operação de cerco a Berlim. Júkov não é exibido na cena por que após a guerra caiu em desgraça com Stalin devido ao contrabando de espólios de guerra, sendo transferido para um distrito militar de menos importância e o comando das forças soviéticas na Alemanha Oriental. Júkov e Rokossovskiy se encontraram na primeira Parada da Vitória, organizada em junho de 1945, ambos encontram-se a cavalo, Rokossovskiy passa o comando da parada a G. Júkov.

Em 1949, com a formação do governo comunista da República Popular da Polônia, o presidente Boleslav Byerut, aliado de Stalin, pede ajuda a este para a formação de um exército da nova Polônia. Diversas cidades polonesas, incluindo Gdansk, reconheceram Rokossovskiy como seu cidadão de honra, Rokossovskiy seguia então para a Polônia, onde ocuparia o cargo de Ministro da Defesa da Polônia e ingressaria no Partido Comunista Polonês, tornando-se também Marechal da Polônia. Assim, Rokossovskiy tornava-se um militar de 3 forças armadas (Exército Imperial Russo, Exército Vermelho e Exército Polonês) e marechal de dois exércitos. 

Rokossovskiy como Marechal da Polônia
De 1949 a 1955, Rokossovskiy participaria da formação do novo Exército Polonês, organizado conforme os moldes soviéticos. Ele também integraria a presidência do Conselho de Ministros e o Politburo do PC Polonês. Em 1950, dois atentados contra a sua vida foram fracassados organizados por nacionalistas poloneses e por militares do Exército Polonês que serviram no Exército Nacional (Armiya Krayowa, o mesmo do papa João Paulo II) durante a IIGM. Em 1955, após anos sem ver o colega, Rokossovskiy se encontraria mais uma vez com Júkov, para participar da criação da aliança militar firmada pela União Soviética com as novas repúblicas populares e socialistas, surgia o Pacto de Varsóvia, após a recusa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de incluir em suas forças, como Estado participante, a União Soviética. 

O ano de 1956 seria um ano de novos problemas para Rokossovskiy, com a campanha da "desestalinização" de Nikita Khruschov, que ascendeu ao poder com a ajuda de G. Júkov após a morte de Stalin, o presidente Byerut foi removido do seu cargo acusado de ser "stalinista". O novo presidente Wladislaw Gomulka não gostava nenhum pouco de Rokossovskiy, a quem acusava de "stalinismo", o que levou a expulsão de Rokossovskiy de todas as suas funções e do Partido Comunista Polonês. Rokossovskiy, então, devido à perseguição política, voltou à União Soviética, deixando todos os seus pertences na Polônia para os seus funcionários.

De volta à União Soviética, foi colocado no posto de vice-ministro da defesa, responsável pela inspeção das forças armadas. Em 1962, Nikita Khruschov pediu a Rokossovskiy que escrevesse um artigo difamatório e caluniador sobre Iossif Stalin. O marechal soviético, como nos informa o marechal Golovanov, respondeu "Nikita Sergeyevich, o camarada Stalin para mim é um santo", e no banquete ele sequer falou com Hruschov. Essa afirmação valeu, no dia seguinte, a remoção de Rokossovskiy do posto de vice-ministro da defesa. O marechal comunista era contra a participação das forças armadas na política soviética.

Ao final de sua vida, Rokossovskiy passaria a escrever para um jornal militar. Ele escreveu suas memórias, "Soldatskiy dolg" (Dever do soldado). Internado com câncer em um hospital soviético, ele se encontraria novamente com o marechal Júkov, a quem pediria desculpas por suas ofensas. Ao final de sua vida, Rokossovskiy possuía medalhas não apenas da União Soviética, como também da Polônia, Reino Unido, França e dos Estados Unidos. Nas palavras de seu neto, Leonid Brejnyev, o novo premier soviético, chorou durante o velório do marechal Konstantin Rokossovskiy, um homem que apesar de todas as injustiças sofridas jamais traiu o seu país. Por essa razão, junto a comunistas da Federação Russa, com orgulho carreguei no Regimento Imortal de São Petersburgo, em 2017, o retrato do marechal Konstantin Rokossovskiy.



Fontes: 

Marshal kotoromu ne dali vzyat Berlina: http://www.aif.ru/society/history/marshal_kotoromu_ne_dali_vzyat_berlin_istoriya_konstantina_rokossovskogo
Kak marshaly Jukov i Rokossovskiy otnosilis k drug druga:
https://rg.ru/2016/12/01/kak-marshaly-zhukov-i-rokossovskij-otnosilis-drug-k-drugu.html