sexta-feira, setembro 04, 2020

Desmascarando o conspiracionismo barato de Yuriy Bezmenov, Olavo de Carvalho e Call of Duty

Por Cristiano Alves



Neste dia 21 de agosto de 2020, o conspirólogo número 1 do Brasil, Olavo de Carvalho, publicou em seu Twitter uma entrevista que já teria sido pelo menos um milhão de vezes republicada pelo tal, ela trata da entrevista de um certo "Yuriy Bezmenov", um dos desertores favoritos da extrema-direita tupiniquim e mundial, assim como de conspirólogos neoconservadores (neocon) que procuram comunistas até embaixo da cama antes de dormir. A postagem coincidiu com o trailer do lançamento do novo videojogo da Activision, Call of Duty, e um twiteiro até brincou: "Olavo de Carvalho gamer!". Gamer ou não, essa informação é irrelevante para nós, o certo é que Olavo de Carvalho pisou em uma enorme casca de banana!

O conspirólogo da Virgínia, guru do presidente Jair Bolsonaro e da direita neocon brasileira escolheu um péssimo momento para lembrar de Yuriy Bezmenov, pois neste momento há outras pessoas interessadas em saber quem é o James Bond tchekista que fugiu para a ensolarada terra da liberdade, a América, os russos! Ao contrário do jornalismo brasileiro, que em muitas matérias é bastante superficial, muitos russos foram atrás de saber quem é o tal "espião do KGB" e não encontraram absolutamente nada sobre ele nem em fundações liberais antissoviéticas como o Memorial, nem no Museu da Repressão Política de São Petersburgo e menos ainda nos arquivos do KGB (Comitê de Segurança do Estado) desclassificados pelo FSB (Serviço Federal de Segurança). De todo jeito, solicitei informações sobre o tal desertor ao historiador Yegor Yakovlyev, especialista e popularizador de história, mas encontrei um artigo bastante esclarecedor de uma blogueira russa chamada Alina Brazdeykene (aparentemente um pseudônimo), que escreveu um artigo bastante elucidativo sobre o "James Bond que fugiu da URSS".

Jogos sangrentos

Não é preciso ser nenhum especialista em inteligência militar para se dar conta das nítidas contradições do tal "superespião" soviético, bem como de seus absurdos em um programa de TV que vende gato por lebre!  Na sociedade do espetáculo existe uma necessidade permanente do próprio espetáculo, assim, tome um faxineiro do prédio da Lubyanka e no Ocidente o espetáculo irá apresentá-lo como um "super-agente do KGB", afinal, quem iria dar ouvidos a um faxineiro? É como pegar um conspiracionista, quem daria atenção a um? É preciso chamá-lo de "professor".

Mas voltemos ao Call of Duty! Hoje os videogames são uma plataforma de formação de opiniões e visões de mundo muito mais fortes do que o cinema, não é por acaso que essa indústria movimenta bilhões de dólares no mundo inteiro. Mesmo um país pequeno como Belarus pode se fazer conhecer no mundo inteiro graças a um videogame como World of Tanks/Ships/Planes, é uma mercadoria fácil de ser consumida e ainda pode exercer um poder no plano político e psicológico, trazendo a crianças e adolescentes heróis a ser seguidos e vilões a ser odiados. Não é por acaso que nos Estados Unidos, ao contrário de outros países, existe um investimento muito forte no aspecto dramatúrgico dos videojogos. Quem poderia esquecer as últimas frases do épico arquivilão de Warcraft, Arthas: "- Pai, acabou tudo? - Finalmente, nenhum rei governa para sempre, meu filho! - Eu vejo apenas trevas diante de mim". A cena é marcada por dramatização e uma épica trilha sonora que até hoje é executada em conservatórios musicais e teatros mundialmente famosos". Quem poderia esquecer do vigor de líder em carregado sotaque escocês do Capitão Price, em Call of Duty? Ou da fuga do Sargento Reznik? Os videojogos trazem cenas e discursos mais memoráveis do que filmes, com a diferença de que se no filme tudo se passa em terceira pessoa nos videojogos você executa a ação e "move" o filme adiante!

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A morte do arquirrival Arthas, ao som de um marcante requiem, traz o nível de dramatização no mundo dos jogos eletrônicos: "- Pai, acabou tudo? - Finalmente, nenhum rei governa para sempre, meu filho"

Call of Duty é uma das franquias mais populares da Activision. Já faz algum tempo que a franquia está mergulhada em propaganda ideológica, seus videojogos sempre trazem russos como terríveis e asquerosos vilões, exceto, claro, quando estes ajudam militares dos Estados Unidos. A mensagem é clara: o bom russo é aquele que ajuda os homens da OTAN. Essa mesma mensagem é passada nos filmes da Marvel, a espiã russa "Romanoffffffff" sempre está disposta a ajudar os americanos! O mesmo clichê vemos no filme "O homem santo", quando uma americana ajuda um superespião da CIA a se secar, após mergulhar no rio Moscou congelado. Um clichê muito batido!

Em 2019, Call of Duty traz um país fictício chamado "Urziquistão" na qual militares russos cometem as piores atrocidades contra a população civil local! Russos de telnyashka (a famosa camisa listrada do país) invadem casas de civis, matam um pai na frente de seu filho, um filho da frente do pai, enforcam pessoas no meio da rua, torturam, fuzilam... o saco de maldades do urso não conhece limites! É um crime contra a humanidade a cada passo dado. Fica uma sugestão para uma próxima expansão, incluir militares russos torturando e enforcando gays, daí fecha com chave de ouro o nível de perversidade e sem dúvidas o videojogo pode até ser ganhar uma menção positiva da ONU a ponto de ser distribuído em escolas públicas! #vidasgaysimportam #ficaadica O jogo de 2019 foi extensivamente criticado na blogosfera russa, por canais como Taganay, que também fez um vídeo sobre o filme Tchenobyl da HBO. 

O Call of Duty de 2019 atribui aos russos crimes contra a humanidade cometidos por forças militares americanas na ocupação do Iraque, na qual o bombardeio de um engarrafamento causou a morte de milhares de civis inocentes, no videogame americano esse ato criminoso é, via arte, atribuído... aos russos, comandados por um celerado, um general que usa nos ombros platinas de coronel. 

Call of Duty Modern Warfare 2019 Review • TornadoTwistar Gaming

O grande vilão da versão de 2019 de Call of Duty é um general que usa platinas de coronel

É preciso entender que hoje a juventude ocidental já é educada no sentido de que a Segunda Guerra Mundial foi iniciada pelos russos, e a oriental, precisamente japonesa, no sentido de que a bomba atômica foi lançada no Japão pela... União Soviética. Para quê ler livros de história quando se pode aprender história assistindo a filmes e jogando video games?!

E o que nos propõe dessa vez a Activision? A versão da história que nos é oferecida na nova parte é a seguinte: o vídeo usa trechos de uma entrevista real com Yuri Bezmenov, um agente da KGB que fugiu para o Ocidente, que fala sobre as táticas de enfraquecimento dos regimes estatais. Surpreendentemente, além das palavras do próprio Bezmenov, a blogueira russa Alina Brazdeykene não conseguiu encontrar nenhuma confirmação de que ele realmente trabalhava para a KGB. Lembremos que de acordo com o próprio Bezmenov, ele não era um mero "colaborador" ou "garoto de recados", ele era um agente de alto nível que lidava com estrangeiros e "subvertia a Índia inteira", nem Putin chegou a tanto na agência comunista!

As táticas de que ele fala foram supostamente usadas pela URSS para enfraquecer ou subjugar outros estados. Lemos um breve resumo disso na versão russa da Wikipedia:

“Religião - politizar, comercializar, reduzir ao entretenimento. Educação - universalidade (nivelamento da educação da elite), não forma um "sistema de coordenadas". Saúde - esportes, saúde (prejudicar), fast food. Trabalho - sindicatos contra a sociedade ”

A caligrafia dos sangrentos soviéticos se faz notar logo: a destruição do sistema de saúde, os famosos atletas gordos (alguém lembra do Ronaldo, o fenômeno?), a venda de velas e cruzes por dinheiro, os sugadores de sangue sindicais. Isso tudo é bem conhecido. Só que o motivo dos soviéticos terem construído indústria e infraestrutura em outros países, incluindo a fábrica na Índia, na qual o próprio Bezmenov trabalhou como tradutor, Yuri curiosamente manteve silêncio.

A realidade é que os Estados Unidos, durante anos assume abertamente e sem máscara que interviu, intervém e intervirá nos assuntos de Estado de outros povos (praticando desde sanções a assassinatos políticos), pela última vez isso foi feito ainda em agosto deste ano, na tribuna do Congresso.

A história de Bezmenov vai para uma sequência de vídeos de protestos e greves americanas, e no final está a frase: "This is what will happen in the United States if you allow all this schmucks to put a big-brother government".

Isto é,

"Isso é o que acontecerá se os Estados Unidos permitir que todos esses retardados estabeleçam um governo do Big-Brother (Grande irmão)"

A frase foi cortada, pois no original ela fala de valores como os da livre-concorrência: 

This is what will happen in [the] United States if you allow all these schmucks to bring the country to crisis, to promise people all kind[s] of goodies and the paradise on earth, to destabilize your economy, to eliminate the principle of free market competition, and to put [a] Big Brother government in Washington, D.C with benevolent dictators like Walter Mondale, who will promise lots of thing[s], never mind whether the promises are fulfillable or not”

Tradução:

Isso é o que vai acontecer nos Estados Unidos se vocês permitirem que todos esses idiotas levem o país à crise, prometam às pessoas todo tipo de coisas boas e o paraíso na terra, desestabilizem sua economia, eliminem o princípio de competição de livre mercado e colocar [um] governo do Big Brother em Washington, DC com ditadores benevolentes como Walter Mondale, que prometerá muitas coisas, não importa se as promessas serão cumpridas ou não”

Nessas horas, os neocons vão ao delírio: "Vejam só, ele avisou, Black Live Matters é plano comunista, eles tem até uma comuna em Seattle, movimento LGBT, 20 anos de desmoralização do Ocidente, isso significa que muito em breve vamos ter comissários comunistas prontos para tirar você a força da sua cama, os comunistas estão chegando!", "Olavo de Carvalho tinha razão!".

Já em 1984, no espírito da paranoia anticomunista, uma imagem de propaganda nos dizia que Lenin estava a colocar uma bomba bem embaixo de Washington:

Ленин закладывает бомбу под Вашингтон (1984), в цвете

Diante dessa guerra de informação, os americanos devem saber que não é sua economia capitalista ou os interesses de classe das elites americanas os culpados pela sua monstruosa estratificação social, a incapacidade de usar o sistema de saúde, a brutalidade política, a segregação e a discriminação, etc. Todos esses problemas são culpa do comunismo soviético que acabou há mais de 30 anos! É culpa da esquerda! Eles estão sacudindo o barco quando falam em igualdade, condições de trabalho decentes e disponibilidade de bens públicos.

Talvez alguém diga, "Para quê falar de um jogo desses? Isso é só um jogo, isso não vai formar opinião política". CoD Modern Warfare foi lançado em outubro de 2019 e no final do mês quase 5 milhões de pessoas já haviam jogado.

Então Modern Warfare, em mais uma tentativa de jogar uma longa lista de crimes de guerra dos  americanos para os russos (e do contexto segue-se que nos soviéticos) foi só um aquecimento com a "moralidade cinzenta" como característica especial. Em breve, um novo livro de história da Activision estará chegando, e toda uma geração crescerá com esse “livro”, enquanto os militares dos EUA continuarão a usar esses videogames como campanha de recrutamento.

Esse mesmo livro da Activision cortou pedaços da crônica da Praça da Paz Celestial do trailer, porque isso poderia prejudicar as vendas na China, um mercado consumidor de centenas de milhões!

Nessa mesma Activision, cujo diretor-executivo Bobby Kotick ganha US$ 30 milhões por ano e mesmo assim realiza verdadeiros expurgos (no ano passado 800 pessoas foram demitidas, apesar dos lucros corporativos colossais), demissões e políticas de austeridade, e funcionários comuns sobrevivem de salário em salário e serão demitidos se tentarem organizar um sindicato.

E é essa mesma Activision que quer ensinar às pessoas como elas devem pensar.

Você já parou pra pensar de onde é que vêm esses 30 milhões que ele apropria para si? Será que ele trabalhou mais do que todos os seus superexplorados funcionários juntos?!

A entrevista de Bezmenov

Depois do chocante trailer, vale a pena ver a entrevista original de Bezmenov, você não irá se arrepender. Que personagem!

O entrevistador imediatamente apresenta um trunfo para os comunistas tão malvados:

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"qual é a diferença entre a vida no comunismo e a vida nos Estados Unidos?"

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"uma pessoa não tem direito nenhum, não tem valor:"

O mesmo Yuriy Bezmenov 30 segundos depois:

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"Em minha vida pessoal eu nunca sofri no comunismo"

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A maioria das portas estavam abertas para mim, a maioria dos gastos eram cobertos pelo governo,

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eu nunca tive nenhum problema com o governo ou a polícia.

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Isto é, por outras palavras, eu desfrutava ou tinha todas as razões para desfrutar

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de todas as vantagens do chamado sistema socialista.

Depois a entrevista fica ainda melhor! Como imaginar uma entrevista com alguém da União Soviética sem o assunto preferido do público ocidental, você sabe do que estamos falando, não? Se você chutou "russas", errou feio! Estamos falando do GULAG! Um reacionário neocon que fala da União Soviética e não fala do GULAG é como uma fossa sanitária sem a estrutura de cimento, ela não é uma fossa sanitária! 

O "GULAG" é um tema curioso, alguém já imaginou um brasileiro sendo entrevistado no estrangeiro e um repórter ou mero curioso perguntando: "é verdade que no Brasil as cadeias são superlotadas e vocês promovem massacres como no Carandiru?". Bem, com o governo que temos no Brasil ainda não chegamos a esse ponto, mas um dos temas favoritos já são as favelas e os altos índices de criminalidade: "por quê vocês no Brasil matam tanto?", me perguntou uma jovem russa que estuda para ser policial. Convenhamos que um GULAG é uma colônia de férias na frente de uma colônia penal tupiniquim.

Mas voltando a Bezmenov, quantas pessoas foram para o GULAG? 

Bezmenov, que acaba de contar como é maravilhosa a vida de um prisioneiro nos Estados Unidos, pois ele pode ficar rico escrevendo suas memórias, responde que não sabemos quantas pessoas estão nos campos de concentração, mas sabemos com certeza (!) que algo em torno de 25-30 milhões de pessoas estão presas. Xeque-mate! A linguagem corporal do superespião é um tema à parte.

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"Nós não sabemos quantos prisioneiros políticos há nos campos de concentração soviéticos."

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"Mas nós sabemos com certeza a partir de várias fontes,"

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"que a cada época concreta há entre 25 e 30 milhões de cidadãos soviéticos,"

Como já dizia o famoso blogueiro Dmitriy Puchkov, mais conhecido como Goblin, ironizando o antissovietismo: "na época soviética metade do país sentava atrás das grades e a outra vigiava". Para quem não sabe, 30 milhões é quase a população total do Estado de São Paulo.

Por incrível que pareça, no mesmo ano de 1984, quando esta entrevista foi filmada, Anton Antonov-Ovseenko (no futuro - o primeiro diretor do Museu do GULAG) fez uma declaração sobre 20 milhões de pessoas que estavam no Gulag. Ainda não foi possível saber ao certo quem o emprestou de quem primeiro.

Depois a entrevista fica ainda melhor. Uma série de histórias interessantes se segue. Bezmenov argumenta, por exemplo, que o KGB se beneficia quando os americanos fazem meditação, pois isso os distrai dos problemas reais urgentes. Bezmenov diz que os americanos são ingênuos e estúpidos se fizerem ioga ou seguirem gurus, porque assim se tornam uma vítima fácil dos malditos vermelhos. Precisamos de um meme urgente: "VOCÊ MEDITA? É COMUNISTA!"

Karl Marx escreveu em suas obras que a religião "é o suspiro do oprimido, é o ópio do povo", logo nada mais conveniente aos malvados soviéticos promover... a religião!

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Porque você está vendo, uma pessoa que é muito interessada em meditação...

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se você observar atentamente, o que Maharishi Mahesh Iogi

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ensina aos americanos, é que a maioria dos problemas

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pode ser resolvida simplesmente meditando.

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E é exatamente isso que o KGB

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e a propaganda marxista-leninista quer dos americanos.

Parece que o entrevistador já estava começando a ficar tenso. Mas ele nem mesmo suspeitou do que ainda estava por vir.

Yuri continua dizendo que seu trabalho na "Novosti" (principal agência de notícias da União Soviética) era manter os hóspedes estrangeiros que lhe eram confiados constantemente bêbados. Por quê? Porque estando bebuns o país parecia uma maravilha. Claro, não surpreende que a URSS tenha entrado em colapso após a introdução da Lei Seca sob Gorbachev em 85: as pessoas ficaram sóbrias.

E quando os estrangeiros se tornaram complacentes e não conseguiam mais se lembrar do que disseram ou fizeram ontem, eram forçados a fazer declarações em favor da União Soviética. Chega a dar medo imaginar o que eles faziam com quem não bebia... Yuri, claro, também fingiu beber, mas na verdade foi apenas um disfarce para sua operação diabólica do KGB.

Não podemos ter dúvidas de que o testemunho de Yuri é confiável, afinal, Olavo recomenda. O problema é que a Wikipedia, gerida por comunistas-satanistas, traiu o superespião honesto russo, pois escreve na biografia deste que a causa de sua morte foi um ataque cardíaco fulminante decorrente de... alcoolismo. Parece que acabaram-se as pílulas mágicas anti-embriaguez do KGB!

Na Wiki, principalmente em língua inglesa, muita coisa bacana está escrita sobre Bezmenov, além das fantasias do seu próprio testemunho. Assim, por exemplo, uma boa preparação física (aparentemente, um clube esportivo de atletismo), ir a jogos táticos perto de Moscou e estudar o assunto "defesa civil" se transformou em:

‘As a Soviet student, he was required to take compulsory military training in which he was taught how to play "strategic war games" using the maps of foreign countries, as well as how to interrogate prisoners of war’

'Como um estudante soviético, ele foi obrigado a fazer o treinamento militar obrigatório no qual foi ensinado a jogar "jogos de guerra estratégicos" usando os mapas de países estrangeiros, bem como interrogar prisioneiros de guerra'

Temos ainda outras citações tais como:

‘Bezmenov was directed to slowly but surely establish the Soviet sphere of influence in India’.

“Bezmenov foi orientado a estabelecer lentamente, mas de forma segura a esfera de influência soviética na Índia”.

E isso por que ele tinha se formado na universidade soviética há poucos anos. Não dá para entender exatamente a situação: ou a educação soviética era tão eficaz que um graduado universitário poderia sozinho manter uma região inteira com 700 milhões de pessoas sob seu controle, ou em um estado misantrópico essa universidade atribuía tal fardo aos ombros frágeis de um graduado. Ou ainda, numa outra hipótese, Yuriy Bezmenov tinha um mesmo carisma e poder de soft power de um Airtom Senna, uma Princesa Daiana ou mesmo uma Madonna, para fazer tanto sucesso na Índia. Seria bom se alguma olavette da seita do astrólogo embusteiro algum seguidor do professor Olavo de Carvalho pudesse nos dar uma resposta satisfatória, coerente, lógica e racial. Gostaríamos de saber mais sobre o assunto, pois quem sabe a educação soviética era tão boa, mas tão boa, que nem mesmo os mais fervorosos comunistas sabiam disso!

Mas para que o grau de horror da entrevista não diminua, Yuri fala sobre a opressão do povo soviético com a ajuda de uma autorização de residência e mostra documentos secretos: o seu passaporte. Passaporte como "documento secreto" é uma grande novidade para todos nós.

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Esse é o meu passaporte.

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Ele também demonstra a minha nacionalidade e tem um carimbo policial,

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que se chama "propiska" em russo

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e determina a minha zona de habitação.

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Eu não posso deixar essa zona.

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É o mesmo caso com esse negro

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que não pode deixar a sua zona na África do Sul.

Para quem não sabe, até os dias atuais na Rússia, toda pessoa que se encontra no país deve ter a sua "propiska", isto é, um "registro". A "propiska" estabelece que você mora em uma determinada cidade e que só pode trabalhar legalmente naquela cidade e votar naquela mesma cidade. Assim, na Rússia, um cidadão nascido na Rússia, filho de pais russos, corre o risco de se tornar "ilegal" em seu próprio país se nasceu em Moscou e vai para São Petersburgo, a menos que ele compre um imóvel ou se case com alguém daquela cidade, e isso explica em parte o grande número de casamentos arranjados na antiga URSS e na Rússia hoje, bem como o alto número de divórcios. Ao contrário do Brasil, no qual alguém do Rio pode arranjar emprego em São Paulo tranquilamente, ou um sulista "tomar a vaga" de um nordestino passando num concurso público, isso não é possível na Rússia. Malvadão esse comunismo, hein? Bem, há outros países, inclusive na União Europeia capitalista, nos quais o mesmo sistema é vigente, por exemplo a Suécia, uma monarquia, um sueco de Upsala pode ser tornar "ilegal" em Estocolmo por que não está inscrito e registrado naquela urbes. Porém, quando um sujeito que sempre viveu "as benesses do socialismo" se compara a um negro vivendo sob o regime do Apartheid, esse é um espetáculo a parte!

Vale lembrar que não existe nenhuma decisão da ONU ou qualquer resolução de alguma organização de direitos humanos, seja de direita ou de esquerda, que considere o sistema de "propiska" (registro) como sendo uma violação dos direitos humanos, crime contra a humanidade ou política segregacionista, muito menos na Rússia não há qualquer movimento político expressivo, nem mesmo o de Aleksey Navalniy, interessado em abolí-lo.

No meio da entrevista, as teorias da conspiração de Bezmenov estão se desenrolam muito bem. Ele diz:

- Se que um jornalista americano que falasse mal da URSS seria despedido pela sua redação (americana!);

- Que a URSS ainda não entrou em colapso só porque os imperialistas a apoiam - e eles precisam parar de fazê-lo;

- Que no próprio país não há uma única pessoa que apoie este terrível sistema;

- Que os estudantes de intercâmbio na URSS eram na verdade membros de grupos terroristas em seus respectivos países;

- Que o Dia da Vitória não é um feriado, mas um dia de luto nacional;

- Que os jardins de infância que foram mostrados a convidados estrangeiros não são reais;

- Que casamentos vistos por estrangeiros são falsos;

O próprio Bezmenov tinha várias esposas falsas, com quem o departamento de pessoal o forçou a se casar, aparentemente, o filho de uma dessas esposas também era falso. A entrevista também contém reflexões de Yuri de que fugir com sua esposa e filho pequeno era muito problemático, então ele fugiu sozinho, abandonando sua família;

- Que os parquinhos da foto de uma reportagem estrangeira sobre a URSS (espere aqui) nada mais são do que um pátio de prisão (!) para crianças (!!!) de presos políticos. Isso mesmo, há uma prisão para os presos políticos e uma prisão separada para seus filhos. O problema é que na foto nós não vemos os guardas com metralhadoras e o arame farpado.

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A entrevista de Yuriy Bezmenov foi prevista ainda nos anos 50 pelo grande escritor brasileiro Graciliano Ramos, autor de "Viagens", que traz crônicas de sua visita à Tchecoeslováquia e União Soviética. Ele descreve muito bem a URSS, no final ironiza: "no Ocidente irão dizer que todos que eu vi na realidade são atores, que tudo aquilo é arranjado pela propaganda comunista". 

Falando em propaganda, é curioso notar que nos anos 70 e 80 praticamente todos os oficiais do KGB, senão todos, eram membros do Partido Comunista, era um pré-requisito para fazer parte da Nomenklatura, isto é, aqueles que podiam fazer parte do poder, a "aristocracia vermelha". Na entrevista de Bezmenov ele deixa a entender que era um oficial do KGB, dada a sua alta responsabilidade, curiosamente não encontramos seu nome na lista de ex-membros do partido comunista.

Ainda mais uma outra evidência de que o nosso amiguinho russo mentiu sobre seu suposto passado no KGB, os agentes do KGB que sabiam demais e desertavam sempre têm um destino trágico, assim se deu com o agente Agabekov, que por causa de uma namorada britânica desertou de Istambul para Paris, em 1937, uma armadilha montada pelo então NKVD o levou para um mestre cuteleiro turco que o dilacerou e esquartejou-o em picadinhos. Trotskiy, outro famoso desertor, ameaçou em 1940 revelar muitos segredos da URSS ao Comitê Dies, dos Estados Unidos, seu fim: morto com uma picaretada na cabeça. Mas com Yuriy Bezmenov, que fugiu para os Estados Unidos, aliás, segundo o próprio, também por causa de uma mulher (parece que desertores russos fogem mesmo é das mulheres russas!), não aconteceu absolutamente nada! Essa é mais uma evidência de que mesmo se ele um dia foi do KGB seu posto era muito baixo e pouco significante para a agência e seus contos não passam invencionisse. 

Mas quem precisa disso?

Termina a entrevista que é um prato cheio para um conspiracionista direitóide pessoa inteligente que se livrou daquele professor de história esquerdista. As conclusões são:

- Todos os militantes por (quaisquer) direitos são idiotas, lixo, ou prostitutas políticas (e aqui não estou exagerando);

- A América está em conluio comunista com a URSS e isso ameaça a liberdade americana;

- O socialismo é quando todo o país dorme numa cama de arame ou está no GULAG;

- Socialismo é nazismo;

- Se as ideias do socialismo não forem eliminadas, o mundo acabará.

Então, ocorre uma ideia medonha: não poderia ser que uma pessoa com um passado difícil no KGB, com uma história ridícula de fuga da vigilância das autoridades da Segurança do Estado sob o disfarce de um hippie chapado, com uma grande imaginação, mas não muito convincente, fosse simplesmente usada como um “idiota útil” (como ele mesmo diz) por algumas forças políticas? Não poderia ser que houvesse algum tipo de campanha presidencial acontecendo naquela época, certo?

Talvez. Em 1984, houve uma corrida presidencial entre Reagan e Mondale, na qual este último defendeu o congelamento dos programas nucleares dos Estados Unidos e da URSS, uma emenda pela igualdade de direitos e contra a economia de Reagan, que custava caro para o orçamento do Estado. Este é o mesmo Mondale que Bezmenov usa como espantalho na versão completa da citação emprestada para o trailer. Alerta de spoiler: Reagan venceu e concorreu a um segundo mandato.

No Brasil, país no qual os comunistas jamais ocuparam sequer 3% do parlamento, políticos de direita e extrema-direita repetem ad infinitum sobre comunismo e GULAG, para que até um protesto contra uma calçada esburacada, por educação, reforma agrária ou urbana virem "coisa de comunista", e afinal de contas os comunistas "mataram milhões". Lembremos como às vésperas das eleições de 2018, disparos no Whatsapp foram feitos para pelo menos 5 milhões de brasileiros contendo um recorte de Cristiano Alves, com uma foice e o martelo desenhada com ossos, veiculadas por redes sociais e aplicativos de mensagens para evocar uma suposta "ameaça comunista".

É claro que é só mera coincidência que toda vez que alguém precisa ganhar uma eleição (repare que a próxima eleição nos EUA é em novembro de 2020) ou impedir que as pessoas pensem sobre sua situação, o fantasma do comunismo é tirado do armário! 

Retirar é fácil. O problema é colocá-lo de volta!


Entrevista original:


Trailer oficial de Call of Duty


Canal 1 da Rússia sobre a versão de 2019 de Call of Duty



quarta-feira, setembro 02, 2020

Eduardo Bolsonaro: falsificador dublê de historiador

Por Cristiano Alves

Proibir em nome da democracia

Apesar de nenhuma publicação na mídia brasileira, a mídia russa hoje notificou a insana proposta do deputado Eduardo Bolsonaro, de equiparar o comunismo ao nazismo e ao racismo

Ressoou hoje na mídia russa uma postagem do Twitter do deputado Eduardo Bolsonaro, segundo a qual este reapresentou neste dia 1º de setembro um projeto de lei para proibir o uso da foice e do martelo e equipará-la à propaganda do nazismo e do racismo. Segundo o deputado o objetivo é "impedir novos genocídios e ideologias de ódio" e mesmo chegou a relembrar o argumento clássico do anticomunismo, isto é, equiparando-o ao nazismo. O deputado evocou o que teria sido o início da Segunda Guerra Mundial pela Alemanha nazista e pela União Soviética com a "Partilha da Polônia".

A origem do problema é mais profunda do que parece, pois a versão do deputado é aceita por vários historiadores ocidentais e mesmo faz parte de muitos livros de história do Brasil, porém é pouco trabalhada e pode ser facilmente desmantelada. Desnecessário dizer que ela pode ser facilmente encontrada em blogs e canais "popularizadores" de história como a Segunda Guerra Mundial e Seus Fatos ou Hoje no Mundo Militar, ela ainda pode ser "corroborada" pelo Deutsche Welle (DW), BBC, pelo Google e outras fontes propagadoras de um dos mitos mais populares do mês de setembro. Em suma, a versão nos apresenta a Polônia como um Estado "pacato e indefeso" que surrateiramente foi atacada por dois monstros totalitários que firmaram um pacto com uma cláusula secreta. Mas se essa versão é falsa, então qual é a verdade?

Um acordo entre Hitler e Josef antes de Stalin

Antes do início da Segunda Guerra Mundial, as principais potências ocidentais fizeram toda uma série de provocações para arrastar o primeiro país socialista para uma guerra mundial, a exemplo do que fizeram nos anos da Guerra Civil Russa, quando mais de 11 países (!!!) invadiram o território da nova Rússia bolchevique, causando uma enorme catástrofe humana repelida pelas forças comunistas do Exército Vermelho. A intervenção do Ocidente fez com que mesmo antigos generais tzaristas, monarquistas convictos como Bryulov, Govorov e até mesmo o reacionário Denikin ou jurassem lealdade ao Exército Vermelho ou se pronunciassem a favor dos bolcheviques, como fez Denikin e mesmo um primo do tzar Nikolay Romanov. 

Durante os anos 30, Adolf Hitler manteve relações bastante amistosas com a Polônia, quando esta era governada pelo marechal nacional-socialista Josef Pilsudski. As visões do marechal polonês eram em muitos aspectos parecidas com as de Adolf Hitler, porém sem o aspecto expansionista dos nazistas. Hitler firmou com Pilsudski um Pacto de Não-Agressão em 26 de janeiro de 1934. Alguns historiadores como Dariusz Baliszewski (autor do artigo Ostatnia wojna marszałka) sustentam que assim que Hitler chegou ao poder, Pilsudski alertou a França sobre o rearmamento da Alemanha, que violara o Tratado de Versalhes, porém a França se recusou a organizar uma aliança contra Hitler, levando Pilsudski a firmar um Tratado de Não-Agressão com Hitler exatamente como Stalin faria 5 anos mais tarde, após a recusa da mesma França e da Tchecoeslováquia de declarar guerra ao nazismo após a invasão dos Sudetos, região da Tchecoeslováquia.

Dream of the Polish Eagle - Warfare History Network

Josef e Josef: a amizade de dois charás

Durante os anos do Pacto Polaco-Germânico, Adolf Hitler propôs a Josef Pilsudski a formação de uma aliança militar contra outro Josef, Vissaryonovitch Djugashvilli, mais conhecido como "Stalin", ao que Pilsudski rejeitou. O Marechal Pilsudski entendia que uma Polônia forte seria uma Polônia isenta de conflitos e richas militares.

Tudo mudou com a morte de Pilsudski, visto por alguns estudiosos russos como Nikolay Starikov como o "Lenin do nacional-socialismo polonês". Seu funeral teve a participação pessoal do führer alemão Adolf Hitler. 


Com a morte de Pilsudski, seu antigo camarada de armas tornou-se o novo Marechal da Polônia e em 1935 o "Segundo homem do Estado polonês" se tornaria o Ridz "Smigly", alcunha que lhe teria sido dada por suas qualidades pessoais, Smigly significando "corajoso, astuto", em polonês, alcunha essa que seria incorporada ao seu sobrenome, ele também foi promovido a marechal. Contrariando todas as posições de Pilsudski, em especial a de não se voltar para o Leste, Ridz-Smigly tomou todos os passos para tentar refundar a grande "Rzeczpospolita", isto é, a "República das Duas Nações" formada pela Polônia e Lituânia que ocupou grande parte da Europa Oriental durante a Idade Moderna. Era um Estado bastante organizado em vários aspectos, inclusive sendo um dos primeiros (segundo a historiografia polonesa o primeiro) a possuir uma constituição moderna, um Estado muito bem organizado que outrora fora elogiado por nomes como Friedrich Engels e mesmo Iosif Stalin em seus anos de revolucionário clandestino. Esse Estado, que foi um dos raros no mundo que conseguiu ocupar Moscou, desapareceu no século XIX, conquistado pelo Império Russo, após este derrotar Napoleão.

Uma ditadura sem um ditador

Para restaurar a "Grande Polônia", Rydz-Smigly adotou uma política completamente agressiva com relação aos seus vizinhos, sendo a primeira vítima a Lituânia, que não tinha mais relações diplomáticas com a Polônia em razão desta ter ocupado a capital histórica lituana de Vilnius em 1919. O sucessor de Pilsudski ameaçou invadir a Lituânia caso esta não restabelecesse relações diplomáticas com a Polônia.

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Foto: Josef Pilsudski de capote e Edward Ridz-Smigly à direita

Em 1938, Hitler, Daladier (França) e Chamberlain (Reino Unido) firmaram o Pacto de Munique, selando o destino da Tchecoeslováquia. O Ocidente entregava de bandeja ao líder nazista carvão, ferro e aço do pequeno país, indispensável à máquina de guerra alemã que sonhava em construir exércitos blindados motorizados de Panzerkampfwagen (Carros de combate blindados, em alemão). Era o pacto da traição!

Políticos poloneses moderados se distanciavam da figura do Marechal Ridz-Smigly, em seu período, de 1935-39, a Polônia era chamada de "Ditadura sem um ditador". Ele criou um movimento inspirado nos Camisas Pardas de Hitler, o "Ozon" (oriundo da abreviatura OZN). Aparecendo em público sempre decorado como uma árvore de Natal, ele era tido como um "Bufão auto-promotor", com discursos que emulavam o estilo de Benito Mussolini. O partido Ozon nasceu do mesmo partido do presidente polonês Ignac Moscicki, "Sanacja" (lê-se Sanatsia), e desafiava a autoridade deste, clamando que o novo marechal era o "herdeiro de Pilsudski", posturas que desafiavam a Constituição da Polônia de então. No plano interno, o Ozon adotou 13 pontos da chamada "Questão judaica", inspirado nas Leis de Nuremberg de Adolf Hitler, que declaravam os judeus "elementos estrangeiros" e privados dos mesmos direitos dos demais poloneses. Na prática, os militaristas de Ridz-Smigly transformaram a Polônia numa versão eslava da Alemanha nazista!

Com um discurso inflamado e mais enfeitado que uma árvore de natal o Marechal Ridz-Smigly

Em 1939, Edward Ridz-Smigly participou de uma aventura militar nazista ao invadir um aliado militar da União Soviética e da França, a Tchecoeslováquia. Aqui, mais uma vez a França se recusou a combater os nazistas e a URSS garantiu aos tchecoeslovacos estar pronta para a guerra, caso o país formalmente solicitasse a ajuda dos comunistas, o que foi negado pela burguesia nacional do pequeno país. A Alemanha e Polônia partilharam a Tchecoeslováquia, a primeira anexando os Sudetos e a segunda a região de Zaolzie, clamando estar defendendo os interesses da "minoria polonesa". Esses fatos nunca são elucidados nos livros oficiais escolares de história, apesar de poderem ser confirmados por ampla documentação e mesmo artigos da Wikipedia, eles são ponto de consenso entre historiadores ocidentais e soviéticos, independente de sua visão política.

Sergey Bobkov on Twitter: "October 1938: #Poles become brothers in arms  with #Hitler. After #MunichAgreements, 80 years ago, #Poland (along with # Nazi #Germany and #Hungary) invades #Czechoslovakia, and annexes #Ciezsyn  region and #
1938: nazistas alemães e militares poloneses comemoram a partilha da Tchecoeslováquia

Deste modo, como podemos perceber, desde a morte de Pilsudski a Polônia estava engajada em todo um programa militarista, expansionista com projetos de império, tal qual como a Alemanha nazista, mas como diz o provérbio chinês "dois tigres não podem conviver juntos numa mesma montanha". Em 1939, provocações mútuas se deram entre Alemanha e Polônia em razão da questão de Danzig, de maioria alemã, sob controle da Polônia. 

1 milhão de comunistas para impedir uma guerra mundial

Percebendo o nível de agressividade e o perigo do nazismo, o premiê Josef Stalin, da URSS, fez uma proposta bastante ousada ao premiê britânico Neville Chamberlain, enviar 1 milhão de comunistas para acabar com o nazismo, conforme documentos desclassificados pela inteligência britânica e reproduzidos no jornal britânico Telegraph. Esses documentos estiveram classificados por mais de 70 anos, sendo divulgados somente durante a década de 2000 na imprensa britânica.

Em agosto de 1939, 2 semanas antes da invasão da Polônia, o marechal comunista Kliment Voroshilov, então Ministro da Defesa da URSS, assim como o chefe do Estado-Maior Boris Shaposhnikov, se encontraram com o almirante britânico Sir Reginald Drax. A proposta soviética era irrecusável, os comunistas propunham enviar 120 divisões de infantaria (cada uma com 19 mil tropas), 16 divisões de cavalaria, 5,000 peças de artilharia pesada, 9,500 tanques e 5,500 aviões de caça e bombardeiros nas fronteiras da Alemanha em caso de uma guerra no oeste. Evidentemente, essa proposta envolvia a passagem pelo território da Polônia, mas qual foi a resposta do Reino Unido e da própria Polônia?

Segundo o almirante Drax ele estava autorizado apenas a falar, não a tomar decisões. Chamberlain rejeitou a proposta de Stalin, e assim fez também Ridz-Smigly e todo o seu partido militarista. A URSS agora estava isolada, a Tchecoeslováquia rejeitou seu pedido de ajuda contra Hitler, o Reino Unido e a Polônia agora faziam o mesmo, só restava uma saída agora... Uma semana após a França, Polônia e Reino Unido rejeitarem uma chance de ouro para impedir uma Guerra Mundial, Joachim von Ribbentropp se encontrava com o novo ministro do exterior soviético, Vyacheslav Molotov, era firmado um pacto entre a Alemanha nazista e a União Soviética, acontecia o impensável! Esse pacto tinha o teor de pacto de "não-agressão", isto é, dois países pactuavam não declarar guerra um ao outro, exatamente como a Polônia havia feito 5 anos antes e o Reino Unido 1 ano antes, mas adivinhem que país é acusado de ter "feito um pacto com o dia... com os nazistas"!

O fim do Estado Polonês

Terminado o mês de agosto, em 1º de setembro somente um país (ao contrário do que afirma Eduardo Bolsonaro) declarava guerra e invadia a Polônia, a Alemanha nazista. Resistindo nos primeiros dias, a Polônia sofria a guerra relâmpago dos nazistas, a Blitzkrieg! Incapazes de mobilizar os seus trabalhadores e todo o povo para a resistência ao nazismo, em 17 de dezembro o presidente da Polônia Ignaz Moszicki fugiu para a um país neutro no conflito, a Romênia, no qual ele não poderia levar a cabo nenhum ato oficial de governo. Para não enfurecer Adolf Hitler, a Romênia preparou uma "renúncia de Moszicki", que "pretendia renunciar", mas que não podia fazê-lo por não poder exercer atos oficiais naquele país. Deste modo, tanto a Romênia quanto Moszicki estavam de acordo com um ponto em comum, em 15 de setembro de 1939, a Polônia não tinha mais governo. Isso foi amplamente divulgado na imprensa internacional, inclusive jornais americanos como o The New Yok Times. Na mesma época a imprensa brasileira também reconheceu o fim do Estado polonês.

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Em outubro de 1939 havia sido reconhecido internacionalmente a renúncia do presidente polonês Ignaz Moszicki

Foi somente em 17 de setembro, 2 dias depois da Polônia perder completamente a sua estatalidade, quando o seu Chefe de Estado renunciou ao cruzar a fronteira da Romênia neutra, tropas do Exército Vermelho Operário-Camponês cruzaram as fronteiras da Polônia. Sem qualquer pretensão territorial, os comunistas se limitavam apenas às regiões etnicamente pertencentes à Ucrânia e Bielorrússia, regiões como Brest e Grodno e Lvov e Ivano-Frankvisk. Diversos prisioneiros políticos da Polônia foram libertados pelo Exército Vermelho, dentre os quais um então desconhecido Stepan Bandera, que mais tarde organizaria a mais violenta organização antissoviética da Ucrânia sob a ocupação nazista, a OUN-UPA. A OUN-UPA, mais tarde, organizaria o maior massacre de limpeza étnica na Ucrânia sob a ocupação nazista, o Expurgo da Volínia. Seus realizadores portavam bandeiras rubro-negras com um tridente no centro, as mesmas usadas em manifestação de apoio ao pai do deputado Eduardo Bolsonaro.

Massacres of Poles in Volhynia and Eastern Galicia - Wikipedia
Na Volínia e na Galícia Oriental, hoje pertencentes à Ucrânia, foi realizado um dos maiores massacres promovidos pelos "polizei", colaboradores ucranianos da SS, o Massacre da Volínia, reconhecido de forma consensual internacionalmente 

Porque os soviéticos não invadiram a Polônia

As ações do Exército Vermelho de 17 de setembro não configuram um "ato de invasão" como alega o deputado Eduardo Bolsonaro pelos seguintes motivos:

1) O Estado Polonês já havia deixado de existir com a renúncia de seu chefe de Estado quando este cruzou a fronteira de um país neutro, a Romênia, em 15 de setembro
2) Não houve, por parte de nenhuma autoridade polonesa, nenhuma declaração de guerra contra a União Soviética
3) O marechal nacionalista Ridz-Smigly ordenou às suas tropas para não combater os soviéticos, mas sim os alemães, numa ordem documentada e corroborada por fontes poloneses e soviéticas
4) O presidente polonês Ignaz Moszicki admitiu tacitamente que a Polônia não tinha mais um governo
5) O governo romeno admitiu que a Polônia não tinha mais um governo
6) A Romênia tinha um tratado militar contra a URSS, porém ela não declarou guerra à URSS, pois, conforme declaração oficial publicada no The New York Times:

"O ponto de vista romeno relativo ao acordo polaco-romeno antissoviético é que ele entraria em ação apenas no caso de um ataque russo enquanto evento isolado e não como consequência de outras guerras."
- "Rumania Anxious; Watches Frontier." NYT 09.19.39, p.8.

7) A França não declarou guerra à URSS, embora tivesse um tratado de defesa com a Polônia contra a URSS
8)  A Inglaterra, aliada da Polônia, jamais exigiu que a URSS retirasse suas tropas da Bielorrússia e Ucrânia orientais, 
9) A Liga das Nações não declarou a URSS um "Estado agressor"
10) Todos os países aceitaram a declaração de neutralidade da URSS no conflito
11) A República Popular da Polônia, estado pró-soviético, jamais exigiu o retorno da Bielorrússia e Ucrânia Ocidentais ao seu território
12) A Polônia atual não tem demandas territoriais aos governos da Ucrânia, liderado por Vladimir Zelenskiy, e nem ao governo de Belarus, liderado por Alexander Lukashenko

Польские части в РККА. Wojsko Polskie
Militares soviéticos e poloneses combatendo na mesma trincheira durante a IIGM. Na foto um soldado ascende o cigarro de seu companheiro.

Conclusão

O clamor de que a Polônia "foi invadida pela União Soviética" não pode ser confirmada por nenhum documento de época e nem por atos oficiais do Estado polonês, ressalte-se que com o fim deste Estado, perdia força então a chamada "Clausula secreta do Pacto Molotov-Ribbentropp", já que elas tratavam de esferas de influência no Estado Polonês, que já não mais existia. Deste modo, esse teor não tem força documental ou histórica, sendo uma invenção ideológica amplamente difundida com o fim de ceifar da União Soviética e, politicamente, dos comunistas qualquer respeitabilidade, equiparando-os aos nazistas e atribuindo a estes uma falsa responsabilidade pela maior hecatombe da história, a Segunda Guerra Mundial, ignorando todos os passos de Stalin para evitar uma guerra e principalmente o sacrifício de meio milhão de soldados vermelhos para libertar a Polônia do julgo nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

Enfatizemos que o Estado brasileiro, que hoje cogita proibir o comunismo para "evitar um genocídio" já tem sido denúnciado por grandes nomes da seara jurídica por genocídio ao negligenciar procedimentos sanitários para a prevenção da pandemia do COVID-19. 

O deputado Eduardo Bolsonaro, que gosta de se promover no Twitter às custas de acusações irresponsáveis contra a China e agora contra a Rússia, põe em risco a credibilidade internacional do Brasil para com outros países do BRICS e promove a desinformação e o revisionismo histórico, mobilizando o Congresso Nacional e o povo brasileiro contra um fantasma comunista que jamais ocupou sequer 3% do parlamento brasileiro, dando início a um macartismo que amanhã poderá perseguir como "comunistas" desafetos com as sandices da milionária família Bolsonaro, "comunistas" esses que vão desde Joyce Arruda até o "camarada" Sérgio Moro.

Moro já é "comunista" com demissão do diretor da PF; coletiva às 11h

Fontes de consulta: 

FURR, Grover. Did the Soviet Union Invade Poland in September 1939? NO! Artigo do professor Grover Furr da Universidade Monclair. Disponível em: https://msuweb.montclair.edu/~furrg/research/mlg09/did_ussr_invade_poland.html#The%20Nonaggression%20Treaty%20Between%20Germany%20and%20the%20USSR%20of%20August%201939
Ridz-Smigly, Edward. Ordem oficial para não combater os soviéticos. Disponível em: http://www.katyn-books.ru/archive/prisoners/Docs/006.html
HODSWORTH, Nick. Stalin planned to send 1 million troops to stop Hitler. Artigo do jornal britânico Telegraph. Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/russia/3223834/Stalin-planned-to-send-a-million-troops-to-stop-Hitler-if-Britain-and-France-agreed-pact.html#:~:text=Jump%20to%20navigation-,Stalin%20'planned%20to%20send%20a%20million%20troops%20to%20stop%20Hitler,Britain%20and%20France%20agreed%20pact'&text=Papers%20which%20were%20kept%20secret,into%20an%20anti%2DNazi%20alliance.
ALTMAN, Max. Hoje na história: Hitler invade a Tchecoeslováquia. Artigo da revista Opera Mundi: https://operamundi.uol.com.br/historia/10417/hoje-na-historia-1939-exercito-de-hitler-invade-a-tchecoslovaquia
YAKOVLYEV, Yegor. Bylo li napadenye SSSR na Polshu i nemetsko-polskaya vayna. Entrevista do especialista Yegor Yakovlyev no Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MPoAMDHkuy0