sábado, agosto 22, 2015

Filosofia: Esboços da crítica da filosofia de Alexander Duguin

Por Cristiano Alves e Angela Mezacasa

Duguin é sem dúvidas um pensador importante, até pelo currículo dele, é doutor, era professor da Universidade Estatal de Moscou e é um politólogo com uma significante estratégia para a geopolítica russa, entretanto sua obra possui sérias limitações.

 Capas de livros de A. Duguin: Konspirologiya e Elyemyenty


A crítica que Duguin faz a Marx é tão rica quanto aquela feita por Mises, isto é, é inteiramente baseada em premissas falsas, seja por desconhecimento da obra de Marx ou por conveniência política conveniente ao seu movimento próprio e à sua doutrina política, classificada por muitos autores como "neoeurasianismo". "Neo" por que os nacionalistas ucranianos também têm sua própria versão do eurasianismo, que prega a supressão da Rússia para a formação de uma grande Rússia sediada em Kiev, com a supressão de "Moscou", como eles chamam a Federação Russa, e a eliminação física de todos os "moskalya", isto é, dos russos, tal como planejado pelos nazistas, inspirados no programa de anglossaxonização da América, como bem nos mostra Domenico Losurdo.

Defesa de que tradição?

Muitos brasileiros respeitam Duguin pela sua crítica do pós-modernismo, "nós defendemos a tradição", dizem os duguinistas, "nós somos contra o pós-modernismo". Porém, evocando aqui o pensamento de S. Kurginyan, como defender a tradição num país, por exemplo, como Afeganistão? Propõe Duguin defender o Talibã? Afinal, ninguém defendia mais a tradição contra o "malvado comunismo ateu" do que os terroristas do Afeganistão, e nessa tradição está inclusa a produção de heroína e o estupro de meninos. Que propõe Duguin? Extinguir da mulher o direito de voto para se ater a uma "grande tradição"? Seu modelo de "tradição" é um modelo que vai não apenas contra o pós-modernismo, como também contra o modernismo, e isso fica bem evidente em sua "Catequese do membro da Juventude Eurasianista":

"O passado nos mostra como viver, sem parlamento, sem televisores, "direitos humanos", utensílios eletrônicos das cidades. O passado é real, o presente é virtual... A contemporaneidade sempre erra"1

A propósito, vale salientar que dentre os Direitos Humanos, odiados pelos duguinistas, está o direito à vida, à liberdade de expressão, dentre outros. Nesse aspecto a teoria de Duguin mostra-se extremamente reacionária. Isso explica por que em um de seus vídeos, Duguin diz que "a internet não traz nada de bom" e noutro por que "o homem deveria parar de construir foguetes para pensar em Deus".

Ora, a tecnologia sempre foi um ponto muito forte para a Rússia e fator determinante de sua sobrevivência econômica. Hoje, até a NASA precisa de motores de foguete russos, sem os quais os seus foguetes não decolam. A Rússia também desenvolveu e desenvolve várias tecnologias, o que quer Duguin? Uma Rússia na Idade da Pedra como solução?!

Racismo

Um dos pontos polêmicos do catecismo político de Duguin é o seu racismo. Se os seus seguidores são alguns rapazes com fantasias por garotas-propagandas de Duguin, vamos ver o que o catecismo de seu movimento nos ensina sobre relacionamentos com pessoas que não são da sua raça2:

"Você é mulher (...) Seja digna da sua grandeza, não fuja das leis da raça, dê amor e afeição a homens bonitos e fortes da sua tribo (...) Sirva aos fortes, violentos e livres, fuja dos covardes, frouxos e dos cretinos"3


Para ser justo, Duguin possui escritos antirracistas, especialmente em "Evraziyskiy revansh Rossii", mas devido ao fato de estar ligado a Julius Évola, ele mostra-se anti-miscigenação. Essa postura evoliano-duguiniana é facilmente refutada por um autor que Duguin diz defender, sobre o qual até chegou a escrever positivamente, um autor que refuta Duguin, Iosif Vissaryonovitch Stalin.

Em "O marxismo e a questão nacional" Stalin destrói o mito da "raça pura", quase 100 anos antes do Projeto Genoma, usando-se de estudos históricos (o georgiano estava muito à frente de seu tempo):


"A atual nação italiana foi formada de romanos, germanos, etruscos, gregos, árabes, etc. A nação francesa foi constituída de gauleses, romanos, britânicos e germanos, etc. O mesmo pode-se dizer dos ingleses, alemães e dos outros povos (...)"4


Ora, se mesmo a Rússia é um país miscigenado, se mesmo os russos vem dos povos cita, sármata, mongóis, dentre outros, o que quer Duguin falando em pureza racial, ainda que indiretamente? E essa realidade da Rússia também vale para Alemanha, França... "nações puras" só podem ser encontrados em tribos de aborígenes na Oceania ou em florestas da África. Que sentido faz uma teoria dessas em um país miscigenado como o Brasil? Nem para um alemão (saxões, romanos, celtas...) isso faz sentido, quanto mais para um mestiço tupiniquim. Esse tipo de teoria não tem espaço na sociedade e nem na política brasileira, ela é natimorta.

Duguin contra a ciência e a tecnologia

Para defender a sua ideia de "revolução conservadora" Duguin criou o site Arktogeia (país mítico no Paraíso Polar pensado pelo historiador nazista Guerman Irvit).

No site citado, ele defende o seu ódio contra a tecnologia, afirmando que a verdadeira face da "Revolução Conservadora" é o ódio ao pensamento científico, o que seria voltar ao tempo em que "senhor' e "servo" tinham um sentido absoluto. Isso explica sua oposição à corrida espacial e à internet, expressa em dois notáveis vídeos seus disponíveis na internet.

A posição de Duguin, segundo a qual a tecnologia escraviza o homem e é preciso destruí-la para emancipar o homem, especialmente a tecnologia de ponta, é muito parecida com a opinião dos ludistas do século XIX, segundo a qual a emancipação do homem se daria pela destruição das máquinas. Essa postura foi firmemente condenada pelos marxistas, em especial por um marxista da Geórgia, país do Cáucaso, que classificou em suas Obras Escolhidas as doutrinas "anti-tecnologia" de fase infantil do movimento operário.

Nesse sentido, ao contrário do que pregam os adeptos do neo-eurasianismo de Duguin, sua teoria não apresenta absolutamente nada de novo, apenas a velha teoria anarquista com uma roupagem de ultranacionalismo russo. Uma reedição de velhas ideias que se apresenta com caráter de excepcionalidade ou de novidade.

O velho discurso liberal, mas antiliberal

Karl Marx e Friedrich Engels são dois autores no mínimo curiosos, conseguindo a façanha de serem muito conhecidos e ao mesmo tempo desconhecidos. Todo mundo "conhece" Marx, todo mundo "refutou" Marx e está sempre pronto par apontar o dedo e nos dizer como sua teoria estava errada, por esse ou aquele motivo que não está na obra de Marx e nem de Engels. Na melhor das hipóteses, esses marxólogos de araque não leram sua obra na íntegra. Duguin cai no mesmo conto do "Marx profeta".

Em "A quarta teoria política", Aleksandr Guelyevich, falando sobre Marx, sustenta que:

"O marxismo está normalmente correto quando descreve seu inimigo, especialmente a burguesia. Porém, suas próprias tentativas de entender a si mesmo levaram ao erro. A primeira e mais proeminente contradição é a previsão não cumprida de Marx sobre os tipos de sociedades que são as mais aptas para as revoluções socialistas. Ele estava confiante de que essas ocorreriam nos países industrializados europeus com elevado nível de manufatura e um alto percentual de proletariado urbano. Tais revoluções eram excluídas de ocorrer em países agrários e países com o modo asiático de produção devido a sua falta de desenvolvimento. No século XX, tudo ocorreu exatamente ao contrário. Revoluções socialistas e sociedades socialistas se desenvolveram em países agrários com uma população rural arcaica, enquanto nada similar ocorreu nas altamente desenvolvidas Europa e América.Porém, mesmo naqueles países em que o socialismo venceu, o dogma marxista não permitiu repensar seus pressupostos lógicos básicos, considerar o papel de fatores pré-industriais e avaliar corretamente o real poder do mito. Em suas versões ocidental e soviética, a autorreflexão do marxismo acabou sendo questionável e imprecisa. Justificadamente criticando o liberalismo, o marxismo estava seriamente equivocado sobre si mesmo, o que, em certo ponto, afetou seu destino."

A priori essa história já é conhecida! E ela nem mesmo é de Duguin. E o problema dessas afirmações é que elas estão completamente erradas!

Levando para o campo da epistemologia, em 1881, o filósofo alemão Karl Heinrich Marx redigiu cartas para a revolucionária Vera Ivanovna Zasulitch falando sobre a luta de classes na Rússia. Essas cartas apresentam uma ruptura com a ideia da necessidade do desenvolvimento das forças produtivas para que a revolução socialista aconteça. Marx mudou de opinião, em uma perspectiva diferente dos textos anteriores que ele havia escrito não apenas países industrializados tinham condições para uma revolução socialistas, mas também países agrários e países subdesenvolvidos. Essa análise da situação russa no século 19 forneceu bases e anteciparam o movimento que culminaria na Revolução Russa de 1917. Essas cartas de Marx foram compiladas e agora são um livro chamado “Luta de Classes na Rússia” que pode ser facilmente obtido.

É curioso como há sempre um ou outro pretenso "estudioso de Marx" pronto a dizer que "Marx não previu isso", "Marx não previu aquilo". Devemos lembrar que Marx e Engels eram filósofos, e não videntes para prever isso ou aquilo. Eles não participavam de missa negra, ritual xamânico ou criavam sites sobre "reinos fantásticos do Polo Norte", ou usavam como símbolos de suas obras runas vikings ou recorriam aos segredos da sabedoria hiperbórea, da Cabala ou dos dos xamãs. Marx não era Mãe Diná! Ou como diriam no mundo eslavo, "Marx não era a Vovó Vanga".

Praviy Sektor russo?

A atuação dos duguinistas na Novorrússia é alvo de vários debates e críticas. Algumas unidades e pensadores acusam os duguinistas de "não levar uma luta séria contra Kiev", sustentam eles que mais cedo ou mais tarde irão entrar em acordo para promover uma Maydan na Rússia.

Os autores Aleksey Kochetkov e Stanislav Byshok, monitores de direitos humanos respeitados na Rússia e fora dela, que denunciam os crimes do regime de Kieve o estudam em profundidade na sua magna obra "Euromaydan imeni Stepana Bandery" (Euromaydan chamada Stepan Bandera), muitas vezes comparam o movimento que tomou o poder na Ucrânia com o de Alexander Duguin na Rússia. Vale frisar que os neonazistas e elementos fascistóides ucranianos também se dizem "eurasianistas", só que com uma visão centrada em Kiev, ao contrário do neoeurasianismo duguiniano que se concentra em Moscou.

Vale lembrar que embora oficialmente apoie resistência anti-Kiev da Novorrússia, o mesmo Duguin tem uma relação amistosa e curiosa com ninguém mais, ninguém menos do que Korchinskiy, um banderista ucraniano! Em 2005, o banderista Korchinsky aparece em um Protesto Eurasiano ao lado de Alexander Duguin.



Conclusão

Longe de "superar o marxismo" ou seguir por um "caminho alternativo", "terceiro", "quarto" ou décimo, a teoria de Duguin não tem nada de novo, ela propõe a supressão de aspectos culturais dos povos, a destruição de valores modernos, industriais. Trata-se de um fascismo com uma nova roupagem, reeditado, mas muitos de seus objetivos são os mesmos.



1- http://www.zerkalov.org.ua/node/5814
2- Originalmente o termo usado é rod.
3- http://www.zerkalov.org.ua/node/5814
4- STALIN, Iosif Vissaryonovich. OBRAS. Volume 2. O Marxismo e a questão nacional. Pg. 280. Editorial Vitória LTDA. Rio - 1952

quarta-feira, agosto 12, 2015

REFLEXÃO DO DIA: O que é liberdade?


"É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a liberdade política não consiste em se fazer o que se quer. Em um Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e não em ser forçado a fazer o que não se tem o direito de querer.
Deve-se ter em mente o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, porque os outros também teriam esse poder."

MONTESQUIEU. O espírito das leis

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