terça-feira, novembro 20, 2012

CONSCIÊNCIA NEGRA: Dos vadios e das capoeiras


Você sabia, que casar-se com uma pessoa negra já foi motivo para exoneração de cargo público? Que a capoeira já foi proibida por lei no Brasil? Doutor gaúcho expõe a forma vergonhosa como foi perseguida a cultura afrobrasileira no Brasil



Dos vadios e dos capoeiras


JOÃO BECCON DE ALMEIDA NETO*

"Nego jogando pernada/ Mesmo jogando rasteira/ Todo mundo condenava/ Uma simples brincadeira/ E o negro deixou de tudo/ Acreditou na besteira/ Hoje só tem gente branca/ Na escola de capoeira" (Geraldo Filme, trecho da música Vá Cuidar da Sua Vida)

Manoel dos Reis Machado, consiste em uma das figuras mais importantes de nossa cultura. Mestre Bimba como era conhecido, foi o fundador da capoeira regional em nosso país. Ele também foi um dos responsáveis por tirar a capoeira da marginalidade. Hodiernamente a capoeira é popular, patrimônio cultural brasileiro, presente em inúmeras academias de ginásticas devido a sua musicalidade e a potencialidade de seus exercícios para queimar calorias. No entanto, inolvidável que até pouco tempo, essa modalidade de luta (ou modo de vida, como afirmava Bimba) era considerado crime a sua atividade, prevista de forma clara no anterior Código Penal brasileiro (Decreto nº 847 - de 11 de outubro de 1890) Imputava o art. 402 fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem, crime cuja pena variava de dois a seis meses de prisão (Capítulo XIII - Dos vadios e dos Capoeiras). A pena era maior para aqueles que fossem os considerados chefes ou cabeças do grupo, os conhecidos Mestres.

Mas essa criminalização da capoeira não ilustra outra coisa senão a própria marginalização do negro, que, mesmo liberto das correntes da escravidão, não encontrou espaço da sociedade e trabalho. Inclusive, como bem demonstra Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, a própria conotação pejorativa que o negro sofria, sendo motivo, inclusive, de perda ou exoneração de cargos públicos em razão de casamento com um negro, o que não ocorria, diga-se de passagem, pelo menos de forma tão veemente, com outras etnias, como a indígena, por exemplo.

Atualmente ainda observamos resquícios dessa forma de poder e política, talvez por isso, as ações afirmativas, como as cotas raciais, seguem como a pauta do dia. Mas com relação à capoeira, cabe ressaltar que sua descriminalização somente ocorrera no governo de Getúlio Vargas, em 1934, quando o então presidente procurava na capoeira uma verdadeira manifestação da cultura popular brasileira. Mas isso só foi possível a partir do empenho do Mestre Bimba que havia criado a capoeira regional (a partir da mistura entre a capoeira angola e o batuque), que até a legalidade era chamada simplesmente de luta regional brasileira, e assim popularizou a nova modalidade, incluindo entre seus praticantes, estudantes da tradicional Faculdade de Medicina da Bahia, próximo ao Pelourinho. Mas isso não apaga os atos arbitrários promovidos pelo Estado na repressão da capoeira. Muitos largaram a prática da capoeira devido à violenta retroação policial aos seus exequentes. Caso modelar é o do mestre Pastinha, legendário mestre de capoeira angola, que parou de praticar em 1914 devido ao feroz embate. A capoeira, independente de sua modalidade, é cultura, arte, dança, jogo e luta brasileira nascida como forma de defesa e resistência pelo negro escravo foi, também, utilizada pelo próprio Estado como força militar (como na Guerra do Paraguai). 

No dia 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra. Data escolhida em razão de ser o mesmo dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, o último dos líderes do Quilombo de Palmares, símbolo de resistência e sobrevivência, como é a própria capoeira.

* Advogado e professor universitário, vice-presidente da Sociedade Rio-Grandense de Bioética (Sorbi)

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