BRASIL
Brasil canta marcha de despedida todo 7 de setembro
Por Archibaldo Figueira (Originalmente publicado no jornal A Nova Democracia) 
 
Durante 68 anos — de 1822 a 1890 — o Brasil teve um hino monárquico,  porém libertário. Consta que a melodia é de Pedro I, sendo certo que os  versos "Ou ficar a Pátria livre, ou morrer pelo Brasil", entre outros,  são do jornalista carioca Evaristo da Veiga. Em 1831, com a abdicação,  virou moda a Marcha da Despedida, de Francisco Manuel da Silva.
Em 1890, o marechal Deodoro, para fazer a República prevalecer ao  Império, adotou-a como Hino Nacional. Mas ninguém cantava, por falta de  letra. Só no ano revolucionário de 1922 — o país envolvido com o  Centenário da Independência, a Semana de Arte Moderna, o Tenentismo e a  criação do Partido Comunista do Brasil — é que o Presidente Epitácio  Pessoa juntou à Marcha da Despedida, de Francisco Manuel, o arrevezado  poema de Osório Duque-Estrada, adotando este hino que poucos sabem  cantar da primeira à última palavra.
 

Nos  estádios, mais um 7 de setembro, mais um atleta recebendo medalha, mais  um jogo internacional — e nunca tantos brasileiros cantaram tão  erradamente o Hino Nacional Brasileiro. Ele não é executado por inteiro  nas solenidades desportivas internacionais por uma razão muito simples:  trata-se do mais longo do mundo.
Na Internet, a letra do hino, apresentada nas páginas oficiais, a  começar pela da Presidência da República, terminando pelo Ministério das  Relações Exteriores, nunca é igual: em umas, vê-se "
Nossa vida no teu seio mais amores"; noutras, já vem "
em teu seio". O mesmo acontece com o verde-louro, que para a Presidência da República é "
dessa flâmula" , mas para o Itamaraty é "
desta flâmula".
Não é nada, se for levado em conta que recentemente uma rede nacional de  televisão desafiou cantores estreantes a entoarem o hino, no programa  Ídolos, da primeira à última palavra: ninguém conseguiu nem começar.
Capas de cadernos
Na tentativa de impedir que o povo brasileiro  continue sem saber cantar o hino, em fevereiro do ano passado foi  apresentado no Senado Federal um projeto de lei determinando que sua  letra passe a figurar das contracapas de todos os livros e cadernos  utilizados pela rede escolar.
Difícil será substituir as cenas de programas do imperialismo para a  televisão, aquelas ilustrações preferidas pelos fabricantes de material  didático.
A proposição, aprovada quase que de imediato pela Comissão de Educação do Senado e enviada à Câmara, continua engavetada.
A medida inspira-se na lei 259, que Getúlio Vargas sancionou em 1  outubro de 1936, ainda como presidente da República eleito na forma da  Constituição de 1934, que estabelecia a obrigatoriedade da execução do  Hino Nacional em todos os estabelecimentos de ensino públicos ou  privados do país. Inclue as associações desportivas, empresas de  radiodifusão e outras de finalidade educativa. O estabelecimento que o  descumprisse seria fechado.
Mas isso vai dar trabalho às gerências federal, estadual e municipal,  porque até hoje não se baixou uma legislação definindo a letra — 
ao pé da letra.
Hino do trono
Se a melodia e a letra que embala os estádios,  ginásios e piscinas cada vez que um atleta brasileiro recebe medalha de  ouro são quase desconhecidas, a sua história é ainda mais, sendo poucos  os que aproveitam o transcurso de mais um 7 de Setembro para  registrá-la. Os originais tinham sido entregues por Joaquim Osório Duque  Estrada à Academia Brasileira de Letras e, ao que consta, por esta  encaminhada à Biblioteca Nacional.
Já o próprio Museu Histórico Nacional não possuía uma única gravação do  Hino Nacional Brasileiro, embora ele tenha sido registrado mais de 30  vezes por algumas das mais famosas orquestras como a Sinfônica  Brasileira, regida pelo Maestro Eugen Szenkar, a do Teatro Municipal do  Rio de Janeiro, com coro, regidos por Heitor Villa-Lobos, a Banda do  Corpo de Bombeiros, Banda do Corpo de Fuzileiros Navais, Banda  Internacional e outras.
Logo após a proclamação da Independência, em 7 de Setembro de 1822, os  brasileiros adotaram como seu hino a música feita em parceria pelo  próprio príncipe Dom Pedro (melodia) e Evaristo Ferreira da Veiga  (versos), e apresentada em 16 de agosto de 1822 com o título de 
Hino Constitucional Brasiliense. À letra falta o "
ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil", e o principal executante era o maestro Marcos Portugal, de quem a autoria teria sido subtraída em 1824 pelo imperador.
Com a abdicação de Pedro I ao trono brasileiro, em março de 1831,  Francisco Manuel da Silva — músico que ansiava pela partida do imperador  e combatia os maestros Marcos e Simão, pretensos donos da verdade e  então ditadores da música oficial — , lançou como marcha de despedida do  primeiro Pedro, a melodia hoje apresentada como Hino Nacional.
Assim, foi ao som do hino criado por um de seus perseguidos que a  fragata inglesa Volage levantou âncoras levando Pedro I e a sua família  para Lisboa.
Segundo Luís Heitor de Azevedo Correia, essa marcha tinha letra de  Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, e foi cantada pela primeira vez no  cais do Largo do Paço (ex-cais Faroux, atual Praça 15 de Novembro, no  Rio de Janeiro), em 13 de abril de 1831. Foram encontrados, mais tarde,  alguns versos feitos pelo desembargador e poeta piauiense, Ovídio  Saraiva, dizendo o seguinte:
Os bronzes da tirania
Já no Brasil não rouquejam
Os monstros que a escravizam
Já entre nós não vicejam
Eis se desata
Do Amazonas
Até o Prata
O Hino Nacional Brasileiro permaneceu sendo aquele supostamente composto  por Pedro I e Evaristo da Veiga, embora em 1841, na coroação de Pedro  II, tenha sido novamente executada a marcha de Francisco Manuel da  Silva, com letra diferente da primeira e de autor desconhecido. Dizia:
Negar de Pedro as virtudes
Seu talento escurecer
É negar como é sublime
Da bela aurora, o romper.
Medíocre a versalhada, mas na frente do imperador...
Com a proclamação da República, tornou-se inadmissível, para os  ocupantes do poder, que o, então, Estados Unidos do Brasil tivessem um  hino de 
origem monárquica. Para substituí-lo, pensou-se em confiar a tarefa a um compositor profissional.
Vitória do velho
Informa-se que Carlos Gomes, convidado a fazê-lo, recusou-se, por  amizade ao segundo Pedro. Assim, vingou a idéia alternativa da promoção,  em outubro de 1898, de um concurso, vencido por um amador, o  farmacêutico Ernesto Fernandes de Sousa, com versos de Medeiros e  Albuquerque.
O jornalista Oscar Guanabarino denunciou o resultado em artigo publicado  em 4 de janeiro de 1890. Revelava que o concurso fora instituído para  eleger uma composição musical, pois a letra de Medeiros e Albuquerque já  fora previamente escolhida pelo Ministério da Justiça. Se para isto  tinha havido escolha e não concurso, melhor seria que também se tivesse  escolhido um músico profissional capaz de inspirar-se na poesia e  produzir um hino correto. E sugeria o nome do maestro Leopoldo Miguez.
O ditador Deodoro e os ministros ouviram no Teatro Lírico todas as  composições. Leopoldo Miguez, que resolvera concorrer, foi declarado  vencedor. A banda apresentou mais uma vez a partitura por ele assinada.  Porém, a pedido do público, foi também executada a marcha de despedida a  D. Pedro I, composta em 1830 por Francisco Manuel. O povo a considerava  seu hino nacional, mas, sem letra, não podia cantá-la. Comparando-a com  o trabalho de Leopoldo Miguez, o marechal Deodoro da Fonseca decretou:
— Prefiro o velho!
Como consequência, naquela mesma noite de 20 de janeiro 1890, foi  redigido pelo ministro do Interior, Aristides Lobo, um decreto  conservando e instituindo como hino nacional a música de Francisco  Manuel e adotando, como Hino da Proclamação da República, o de Leopoldo  Miquez.
De 1831 a 1890 os mais diferentes versos tinham sido juntados à  composição de Francisco Manuel, muitos deles em adaptações inadequadas,  impregnadas de regionalismos e principalmente de posistivismo  semicolonial e latifundiário.
A situação ainda perdurou por mais de cinco anos, até o deputado e  escritor Coelho Neto, em 1906, propor da tribuna da Câmara que se  fizesse "um poema condigno" para a música de Francisco Manuel da Silva.  Foram-se dois anos até o ministro da Justiça, Augusto Tavares de Lira,  nomear uma comissão para rever o Hino, integrada Alberto Nepomuceno,  então diretor do Instituto Nacional de Música, e os maestros Francisco  Braga e Frederico Nascimento.
A Comissão de 1908 sugeriu a abertura de um concurso para a escolha da  melhor letra, com prêmio de 2 contos de réis. Vários poemas concorreram,  vencendo o apresentado por Joaquim Osório Duque Estrada em 1909 como 
Projeto de Letra Para o Hino Nacional Brasileiro, tendo os seguintes versos iniciais:  
Ouviram do Ipiranga às margens plácidas
Da Independência o brado retumbante
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos
Brilhou no céu da pátria nesse instante.
Em 1916, o poeta introduziu modificações no poema, que ficou como se discute até hoje.
A 21 de agosto de 1922, o Decreto nº 4.559 autorizou o Poder Executivo a  adquirir a propriedade dos versos e, na véspera do Centenário da  Independência, o Decreto nº 15.671, de 6 de setembro de 1922 declarava  oficial essa letra.
Em 1º de outubro de 1936, Getúlio Vargas assinou o Decreto nº 259, que,  além de consagrar a orquestração de Leopoldo Miguez, a instrumentação  para bandas, do 2º Tenente Antonio Pinto Junior do Corpo de Bombeiros do  então, Distrito Federal, no tom original de si-bemól; e, para canto, em  fá. O trabalho de Alberto Nepomuceno, ainda estabelecia a  obrigatoriedade do cântico "nos estabelecimentos de ensino mantidos ou  não pelos poderes públicos".
Enfim, um hino que não faz mal a ninguém: não toma partido, não perturba  a velha ordem latifundiária, burocrática e semicolonial e que o povo  não entende. Melhor do que isso, impossível. 
A abdicação em CD
No início deste ano uma editora independente lançou o disco 
Brasil Imperial trazendo uma compilação de modinhas e lundus do século XIX gravados pela soprano Luiza Sawaya em trabalhos anteriores.
Ora acompanhada pelo piano de Achille Picchi, ora pelo pianoforte de  Pedro Persone, a cantora interpreta com precisão canções do Padre José  Maurício, Marcos Portugal e Sigismund Neukomm, entre outros. De grande  interesse no disco também é a reedição da única gravação disponível do  hino ao Sete de Abril. Em 1831, Francisco Manuel da Silva compôs um hino  para comemorar a abdicação do primeiro Pedro , ocorrida no dia 7 de  abril. Com letra atribuída a Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, este  hino foi executado alguns dias depois, e a aceitação imediata fez com  que fosse reapresentado diversas vezes e ficasse conhecido como "Hino  Nacional".
Embora tenha havido a tentativa de se escolher um novo hino com a  Proclamação da República, permaneceu a música de Francisco Manuel,  recebendo a nova letra de Osório Duque Estrada em 1909.
A parte que hoje conhecemos como Introdução do Hino Nacional (e que só é tocada), já teve letra:
Espera o Brasil
Que todos cumprais
Com vosso dever
Eia, avante, brasileiros, sempre avante!
Gravai com buril
Os pátrios anais
Do vosso poder
Eia, avante, brasileiros, sempre avante!
Servir o Brasil
Sem esmorecer
Com ânimo audaz
Cumprir o dever
Na guerra ou na paz
À sombra da lei
À brisa gentil
O lábaro erguei
Do belo Brasil
Eia
sus*, Brasil!
Não se perdeu nada pelo visto. E a peça permanece, até que o povo  brasileiro crie o seu verdadeiro hino, emergindo da efervecência do  movimento de massas. Mas essa é outra história, outra despedida e,  principalmente, aquela que contará o glorioso nascimento de um Brasil  regido pelo povo trabalhador, livre, independente, revolucionário.    
sus — segundo Aurélio Buarque de Holanda, é uma interjeição motivadora que vem do latim e que significa: suspender, elevar