quarta-feira, novembro 10, 2010

Os mestres do racismo

Por Cristiano Alves

Capitalismo, nazismo e racismo são "ismos" que tem muito em comum, além de sua terminação. Muitos falam do genocídio da Alemanha nazista contra eslavos, judeus e negros, porém poucos conhecem a história do grande genocídio contra os hereros, povo que foi quase exterminado pelos alemães capitalistas, muito antes de Hitler chegar ao poder.

Os hereros eram um povo de pastores, que viviam da pecuária, isso até que suas terras fossem tomadas por imperialistas alemães. Para dominar o território dos hereros, que hoje corresponde à atual Namíbia(ver foto), estes usaram-se de uma tática muito em voga até os dias atuais, usadas, por exemplo, nas ex-Repúblicas Soviéticas, especialmente Rússia e Ucrânia, a tática de "dividir para conquistar".



Esta tática, particularmente neste caso, correspondia a alimentar tensões locais, apoiar povos nativos uns contra os outros. A medida que isso ocorria, este povo pastor ia perdendo suas terras, por vezes em meio a negociação, mas geralmente na base de falcatruas, violência e intimidação. O domínio alemão era cruel e implacável, nem mesmo em outros lugares onde hereros viviam, por exemplo, nas zonas de domínio inglês, se dava tamanha brutalidade como nas zonas alemãs.

Para se ter uma idéia do quão hipócrita era essa dominação, havia até políticas racistas, segregacionistas, instituídas contra os povos locais. É como imaginar uma situação onde um povo da Ásia, por exemplo, resolve invadir um determinado país do continente americano pela força das armas, alimentar tensões étnicas, e simplesmente institucionalizar que pelo fato daquele povo viver naquele país, este não teria mais acesso a cargos públicos, não poderia mais estabelecer um comércio, teria que ceder suas casas e terras para o povo asiático invasor. Isso seria um absurdo, e foi justamente isso que aconteceu nas terras dos hereros. Isso, naturalmente, levou a reações por parte dos hereros contra os dominadores alemães, fossem militares ou apenas colonos civis. Assim, a mídia alemã, num gesto hipócrita comum a muitos órgãos de imprensa atuais, passou a pintar os hereros como selvagens descontrolados, prontos para roubar e matar colonos, envenenando a população local contra o povo que por justo direito lutava por suas terras.

Tendo os hereros percebido a nocividade do domínio alemão, a situação chegou a um ponto insuportável tal, que a rebelião e o conflito armado mostraram-se a melhor opção, no ano de 1904. Assim, o caudilho Samuel Maharero passou a organizar a população nativa para a insurreição, tratando de chamar outros povos para a luta. Em uma carta ao líder dos namas, outro povo nativo, o líder africano escreveu: "Toda a nossa subserviência e paciência em relação aos alemães não nos trouxe vantagens. Por isso, faço um apelo, meu irmão, para que participes da nossa revolta, de modo a toda a África levantar suas armas contra os alemães."

Num gesto capitulacionista, infelizmente os nama não aderiram à rebelião, ficando na expectativa. Ocorre que, em razão desta rebelião, o Kaiser Guilherme II enviou para o país o aristocrático general Lothar von Trotha. Se um açougue é conhecido por ser um lugar cheio de sangue, pode-se dizer que é bem pouco se comparado às mãos e uniforme do general von Trotha, em uma carta enviada ao governador Theodor von Letwein suas palavras foram: "Conheço muitas tribos africanas… Terror, violência brutal. Essa é a minha política". Segundo o periódico alemão Deutsche Welle, há uma frase que demonstra bem suas intenções: "Vou dizimar os rebeldes com enxurradas de sangue!"

Enfim, embora isso possa parecer chocante ao leitor, que talvez associe o general a uma série de adjetivos negativos, é interessante compreender o contexto desta afirmação sem querer relativizar esse ato vil de brutalidade. Seria muito fácil dizer que um criminoso de tamanha magnitude, com este tipo de idéias, foi "um monstro", "um assassino", apenas "mais um típico vilão branco", ou ainda só mais um "maldito alemão"(como se ingleses e americanos já não tivessem feito coisas análogas e até piores), não só seria fácil, como jornais sensacionalistas e hipócritas fazem o tempo todo. Ocorre que a figura deste general, muitas vezes pronto para chegar em casa seus filhos, ou ajudar alguém que caiu na rua, é apenas mais um produto do sistema capitalista. Especificamente do imperialismo, que Lenin, que era favorável à emancipação dos países africanos, apresentava como uma "etapa superior do capitalismo", o que se verifica hoje em dia na prática, diante de guerras como a do Iraque, Afeganistão e, futuramente, do Irã.

Deste modo, com o envio de tropas pelo Kaiser Guilherme II à África Sudocidental no ano de 1904, estas iniciaram a repressão violenta contra os herero a 400Km ao norte de Windhoek , formando um cerco que só podia ser rompido por uma passagem que dava para o deserto de Omaheke. Mesmo assim, segundo relatórios do comando do Exército Imperial, os herero ainda foram perseguidos.

No dia 2 de outubro de 1904, muito antes de Adolf Hitler, o general von Trotha baixou uma ordem de extermínio, decretando a intenção de executar todos os herero com ou sem gado, fossem homens, mulheres ou crianças, que visse pela frente. Segundo a Sociedade para os Povos Ameaçados(Gesellschaft für bedrohte Völker) este genocídio vitimou entre 10 e 60 mil pessoas. Como se isso bastasse, as tropas de von Trotha decapitaram um grande número de hereros e namas, enviando suas cabeças para a Alemanha, para que fossem estudadas por doutores especializados na pseudo-ciência denominada "eugenia", que propunha a existência de "raças superiores", muito em voga no século XIX e início do século XX. O Prof. Dr. Eugen Fischer, por exemplo, chegou a ser convidado para a África do Sudoeste, para estudar os herero, proclamando, no alto de sua autoridade científica, que estes eram animais. Este doutor, a propósito, é considerado um dos fundadores do nazismo, demonstrando que nazismo não se limita a Hitler.


Cabeça decapitada de nama

A barbárie do general von Trotha foi tamanha, que o próprio chanceler alemão Bernhard von Bülow interviu junto ao kaiser, advertindo-o que os herero eram mão de obra indispensável para fazendas e minas da África Sudocidental. O kaiser, num gesto cínico, se comprometeu a analisar a questão, hesitando por duas semanas até analisar revogar a ordem de von Trotha e aceitar a capitulação dos hereros, quando enfim já era tarde demais.

O domínio alemão na África Sudoriental permaneceu até a invasão do país por tropas inglesas, transformando-o numa posse britânica e depois sob administração da África do Sul, onde sofreriam com a política racista do Apartheid. Somente nos anos 80, sob a liderança da Swapo, a Organização para a Libertação dos Povos da África, de orientação marxista-leninista, é que este país veio a ser emancipado sob o nome de Namíbia, em 21 de março de 1990.

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Somente durante o evento que marcou os 100 anos do genocídio contra o povo herero pelos imperialistas alemães, em 2004, houve um debate sério a respeito no parlamento alemão. Aliás, o fato de somente 100 anos depois vir a ser efetuado um debate a respeito disso revela um trágico absurdo nas relações internacionais.

Em 1945, quando o Exército Vermelho, a justo título, ocupou o território alemão, retaliando o bárbaro ataque à União Soviética, a Alemanha veio a pagar indenizações altíssimas ao país dos sovietes, sob a mira de submetralhadoras soviéticas, até ser efetuada a divisão entre Alemanha Oriental e Ocidental. O lado ocidental, que muito pouco fez para condenar os crimes do presente e passado, preferiu fechar os olhos para outras questões, enquanto o lado Oriental patrocinou vários movimentos emancipacionistas na África. Isso, diga-se de passagem, legitima a luta da Facção do Exército Vermelho(RAF), demonstrando ter sido justa sua procupação de não permitir a ressurreição de um novo nazismo na Alemanha, independente de seu nome, fosse ele com ou sem Hitler, com chanceler ou kaiser.

Quando em 2004 o parlamento alemão discutiu o massacre dos herero, falou-se apenas em "assumir a responsabilidade história e moral da Alemanha", sem mencionar um pedido de desculpas ou o genocídio criminoso, levando Arnold Tjihuiko, representante do povo herero, a chamar os farsantes desta conferência de "mestres do racismo".

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De fato, massacres como este conta o povo herero, não são exceções na história do capitalismo, mas sua regra, paralelo com o massacre de armenos por turcos, eslavos por alemães, proletários finlandeses por Mannerheim e trabalhadores insurgentes poloneses por Pilsudski. Assim, a fim de encobrir cinicamente estes crimes, cada ano gasta-se milhões com livros, jornais, revistas e até filmes que demonizam a luta dos povos, mostrando-a sempre como uma "causa perdida", uma "causa de terroristas e ditadores", "antidemocrática". Inventam genocídios onde há fome provocada pela ação dos cães imperialistas ou catástrofes naturais.

Se há um ideal parecido com o nazismo, este não é o comunismo, conforme afirmam, cinicamente alguns, com a mesma autoridade científica do Prof. Dr. Eugen Fischer, mas tão somente o imperialismo(capitalismo), mentor do III Reich.


Fontes:

http://en.wikipedia.org/wiki/Herero_people
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,1295507,00.html
http://www.family-hipp.co.nz/site/klausdierks/Biographies/Biographies_F.htm

2 comentários:

Marcelo Leite. disse...

Gostei muito do que li,o captalismo tem esse grande disfarçe em culpar o comunismo para se livrar do julgo.

Anônimo disse...

Comunismo também se inclui em um desses "ismos". Stalin matou de fome 3,5 milhoes na Ucrania, 1,5 milhão no Cazaquistão. Massacre de Katyn na Polonia. O camarada Mao milhoes na China. Ainda bem que a ditadura familiar de Cuba também vai chegar ao FIM.